quinta-feira, 25 de junho de 2015

Aldravias


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além
de
vinténs
também
cometo
aldravias
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pela
fresta
estreita
olhar
atento
espreita
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a
qualquer
hora
mas
menos
agora
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em
cada
canto
dela
uma
injustiça
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realçar
a
renitente
retidão
do
relógio
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[Aldravias. O movimento aldravista nasceu em 2000 em Mariana (MG). Seus poemas se caracterizam pela estrutura em seis versos univocabulares, isto é,] 
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seis
palavras
e
aldravia
está
completa
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[mas, só isso não basta... é preciso]
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juntar
palavras
fazendo
sentido
a
alguém
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quinta-feira, 18 de junho de 2015

Vinténs - I


Se calhar...


Se calhar, é bom falar. Mas, se falhar, é melhor calar...

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Em cada canto...

Em cada canto dessa cidade, há uma injustiça, um amor mal resolvido, uma garota com lágrimas escorrendo agridoce pela face, uma facada cruel, e há também um cachorro latindo, pessoas que não se adaptaram à vida, um balão sendo lançado, até um beijo roubado, um medo inesperado e uma excitação inconsequente. 
Um gato, meninos correndo atrás de uma bola, uma freada de carro, a moça sendo deixada no metrô sem olhar para trás, um velhinho inconformado...
E uma nuvem amortecendo a queda dos amantes... 
Há uma injustiça em cada canto dessa cidade, e olha que cantos não faltam nela...

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Selinho

Um dia ela vai se distrair, de propósito ou não, e se esquecer de virar o rosto na hora agá. Nesse exato momento, ele sapecará um selinho nela e ela fingirá um assombro com o fato de ambos os lábios, um tanto quanto secos de ansiedade, terem se tocado assim rapidamente. Ela ficará, conscientemente ou não, vermelha de rubor enquanto que ele dará um daqueles sorrisos que ela tanto gosta mas se esforça, sem convencer, em fingir que não liga a mínima. Eles então darão um longo e apertado abraço de carentes e ele falará ao seu ouvido com uma voz pretensamente segura: se quiser o beijo roubado, eu te dou de volta, eu devolvo... Ela evitará o suplicante olhar dele, meros charmes mútuos, morderá seus lábios levemente e, após intensos e infindáveis segundos de espera, dirá que sim, que o quer de volta e aí... só deus saberá até onde irão naquele dia em que ela decidiu que seria o dia... 

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Negações

Sim, sim... só isso a dizer!

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quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Entusiasta do Sistema Decimal



A primeira vez que alguém se lembra de tê-lo ouvido contar esta história em público foi no dia de sua aposentadoria e ele tinha então os seus 67 anos de idade. Depois da merecida festa que os seus colegas fizeram, ele chamou a atenção de todos e, emocionado que estava, agradeceu a homenagem e ao final contou a história que iria determinar o seu cotidiano a partir de então.
“Bom, vocês sabem que a mãe do Jorge Luis Borges morreu bem velhinha...”
“A mãe do Borges? Morreu? O Borges da... da... contabilidade? E ninguém me diz nada?” o Ernesto o interrompeu inconsolável, além de totalmente bêbado, e pôs-se a chorar convulsivamente.
Diante do silêncio estupefato de todos os presentes, alguém cochichou algo no ouvido do Ernesto, que só então sossegou. Re-estabelecida a ordem, e quebrando o constrangimento criado, o homenageado continuou.
“... pois bem, ela tinha 99 anos quando morreu. Em seu enterro, uma velha amiga do Borges chega-se a ele e diz que era uma pena que ela tivesse morrido com aquela idade, mais um ano e teria 100! Sabe o que o Borges respondeu?”
Não, ninguém sabia. O silêncio imperava. 
“Vejo que a senhora é uma entusiasta do sistema decimal... foi a resposta do Borges” e, sem esperar reação alguma da audiência que ainda tentava assimilar a história, ele completou: “eu também sou um entusiasta do sistema decimal. Nada me entusiasma mais hoje do que o sistema decimal! Vou homenageá-lo da forma que a mãe do Borges não conseguiu. Vou chegar aos 100 anos!”
Um aplauso unânime se juntou aos gritos de hurra! Mas a verdade é que, pelo estado em que ele chegou ao final da festa, vomitando e cambaleante, não havia quem apostasse um níquel sequer que ele conseguiria cumprir a sua promessa.
Mas o tempo passou e ele parecia cada vez mais jovem, cada vez com mais vitalidade. Quer seja porque deixou de ir trabalhar naquele escritório insalubre por mais de dez horas diárias, todo o santo dia, quer seja por que só então ele pode se dedicar mais assiduamente às coisas que tanto gostava de fazer, o ponto é que ele foi ficando cada vez mais jovem. Seus amigos foram ficando pelo caminho, um a um eles foram deixando de ouvir novamente esta história, a história que ele tanto gostava de repetir a cada aniversário seu. A mesma história, o mesmo entusiasmo.
Com o passar do tempo, os amigos foram se acostumando com ela, já fazia parte da festa de seu aniversário, assim como o Parabéns a você ou o bolo de chocolate com cereja. Na festa de aniversário de seus 78 ou 79 anos, um de seus netos, resolveu puxar um pique-pique:
“E para o sistema decimal, nada?”
“Tudo!!!”
“E como é que é?”
E o pique, a partir de então, foi também incorporado às celebrações de seus aniversários.
Aos noventa, ele estava de namorada nova, já tinha enterrado suas duas ex-esposas, “as primeiras duas...” ele dizia maliciosamente nas noites de pôquer, para deleite de seus amigos, sempre renovados na roda e cada vez mais jovens em comparação a ele. E saiu para viajar com ela por longos dois meses. Foi por esta época que, todos os que o conheciam, sabiam que ele iria sim conseguir cumprir a sua homenagem.
E, de fato, cumpriu. No dia em que completou 100 anos de idade, ele reuniu todos os seus amigos, e parentes, e até os só conhecidos. Como sua história já era parte do folclore da pequena cidade em que morava, apareceram muitas pessoas que ele sequer conhecia, foram só para poder cumprimentá-lo, participar daquela homenagem histórica ao sistema decimal. O jornal da cidade publicou uma matéria toda especial, fazendo um paralelo entre a vida dele e o desenvolvimento do sistema decimal, entrevistaram até um matemático famoso da USP. E, em um canto, um grupo de conhecidos acertava as contas de uma antiga aposta que fizeram sobre se ele chegaria ou não àquela data. 
Quando o bolo especialmente confeccionado para a ocasião entrou na sala, um coral de crianças cantou, de surpresa e em primeira mão, o Hino do Sistema Decimal composto especialmente para a ocasião. O prefeito, que não pode comparecer pessoalmente, mandou o seu melhor representante e a festa só foi completa quando ele contou, mais uma vez, a história da mãe do Borges. Contou, desta vez, de forma tão emocionada que o próprio Borges, o da contabilidade, chorou de saudades de sua progenitora.
Mas só ele sabia do esforço que foi chegar a este dia. Se ele parecia cada vez mais jovem e entusiasta com o passar do tempo, a verdade é que, nos últimos dois ou três anos, uma dúvida o atormentava diariamente. Toda manhã, ele se olhava no espelho e se perguntava por que é que se impunha esta meta, afinal, e se seria capaz de cumpri-la. Só ele sabia que o ânimo que demonstrava ao conversar sobre isto com as pessoas era apenas de fachada, cada vez mais falso, inseguro que estava. Só o espelho sabia o peso que era para ele isto. Já estava cansado, sentia-se cansado e velho e ainda faltavam estes três, estes dois ou este um ano, estes tantos meses, estas tantas semanas. Um dia, ele desabafou com uma amiga que, vez ou outra, trazia o seu almoço de domingo, mas ela não entendia o que o exasperava então. E o que o exasperava era esta obrigação que ele se impôs tanto tempo atrás. Nestas horas, sentia medo de não poder cumpri-la, de morrer como um derrotado no final das contas, virar a eterna chacota dos sobreviventes, piada familiar nos almoços dominicais. Pequenas gripes, ele que nunca ficava doente, traziam consigo sempre grandes preocupações, a cada espirro, um sinal vermelho se acendia em sua mente. Sentia que não podia mais andar sozinho pelas ruas sem ser observado, percebia as pessoas falando dele à distância, se parasse de andar, por tolo motivo que fosse, parecia que todo o mundo também parava e segurava a respiração até ele se mover de novo.
Aquilo estava pesando e pesando cada vez mais.
Depois que o bolo foi cortado e ele recebeu os cumprimentos protocolares de todos, e depois de uns tantos discursos que teve que ouvir, ele olhou ao redor e, repentinamente, se sentiu aliviado. Com o peso de seus três dígitos nas costas, caminhou até o quarto que ele usava como escritório, sentou-se em sua poltrona de leitura e, na penumbra, sorriu o sorriso dos aliviados. E dormiu, e como dormiu, o sono dos centenários, o sono dos justos...

[Esse conto foi publicado no número 176 da Revista Pesquisa FAPESP em outubro de 2K10 e aparece no livro Contos&Vinténs]

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Thio Therezo e o amanhecer.


Certa feita, Thio Therezo contou-nos que, em suas andanças pelos lados da grande mata, cruzou inesperadamente com uma tranquila e discreta tribo de índios e que falavam uma língua que talvez já esteja até extinta. O bom era que o Thio conseguia, de que forma fosse, se comunicar com quem quer que cruzasse seu caminho.
Após o costumeiro estranhamento que sempre ocorre nesses momentos de primeiros encontros, ele ficou sabendo que, ao entardecer de cada um dos dias, o chefe-mor da tribo liderava uma exótica dança que saudava o descanso do sol e pedia que ele voltasse a aparecer decorridas algumas horas. Acreditavam esses índios que, se assim não o fizessem, o breu noturno duraria para sempre. 
Thio Therezo percebeu, ao ouvir a estória, o compreensível orgulho de todos da tribo por essa grande responsabilidade assumida por eles milênios atrás. Resolveu então ficar por lá, por alguns dias que fossem, para aprender esse essencial ritual para a continuidade dos dias e assim, em uma eventual emergência, saber repeti-lo corretamente.
Nessa dança, chamada de “Mombo”, seis graduados integrantes da tribo dançavam em duas fileiras de três, uma atrás da outra e ambas viradas para onde o dia se esvaía. Esperavam a postos e imóveis desde os primeiros sinais dados pelo preguiçoso sol antes de se esconder e isso, por vezes, demorava quase uma hora. Esperavam até que o chefe-mor, que não participava diretamente dos passos, os autorizassem a começar. 
A dança, com seu nome típico na língua quase extinta e que significava, em uma tradução bastante livre, “grande momento”, deveria ser feita sempre com a usual precisão, devido à responsabilidade embutida em tal ritual. Uma vez começada, nada, força alguma do universo, poderia fazê-la parar sob a implacável pena da eterna escuridão.
Thio Therezo resolveu demonstrar a nós como era essa dança. Atabalhoado que sempre foi, quase que destruiu o único vaso remanescente do casamento de meus pais ao mover a mesinha de centro de nossa sala. Dispôs a todos nós em duas fileiras e mostrou os passos. Enquanto que uma fileira caminhava para sua esquerda, a outra à direita ia, em uma singela harmonia que, seguramente, deixaria qualquer sol encabulado em não aceitar o pedido para retornar mais tarde, ou bem cedo, conforme o ponto de vista.
Ao final da demonstração, Thio Therezo se quedou todo pensativo por constrangedores minutos e comentou:
- Ainda bem que eles, nesses milênios todos, nunca falharam na dança. O amanhecer é algo a menos para eu ter que me preocupar...
Seu olhar distante o tornava inacessível nesses momentos. Eu era pequeno naquela época e essas coisas me impressionavam tanto!

São Paulo, junho de 2K12