quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Recreações oulipianas

Reum

realçar
a retidão
realçar e realçar
o relógio
realçar a retidão
a retidão do relógio
realçar e a retidão
a retidão e realçar
realçar o relógio
realçar a retidão do relógio


Redois

a retina
renitente
a retina da retina
da renitente Rebeca
a retina renitente
da Rebeca
a retina de renitente
renitente da retina
a retina da renitente Rebeca
a retina renitente da Rebeca


Retrês

recuperar
recusar
recuperar, sim recuperar
retomar o repertório
recuperar e recusar
recusar e retomar
recuperar, sim recusar
recusar, sim recuperar
recuperar e retomar o repertório
recuperar e recusar o repertório



Estou publicando essas recreações por conta da conversa "Literatura e Matemática" que faremos Jacques Fux, Marco Lucchesi, Nilson Machado e eu no IEA-USP a partir das 14 horas de hoje, dia 27 de outubro (com transmissão online). Por trás dessas recreações, uma regra simples no estilo das criadas pelo grupo francês OULIPO. As frases que aparecem aqui foram tiradas de meu conto "Referências" publicado no livro "Ledos Enganos, Meras Referências".

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Zapzap analógico...



            Duas semanas atrás eu contei as desventuras sobre o roubo de meu voto, mas acabei não contando um dos pensamentos que transitou em minha mente enquanto esperava, em vão, uma solução para o seu estranho sumiço.
            Eu estudei por sete anos no Colégio Costa Manso, mas não é lá que eu voto. Eu voto no colégio Aristides de Castro, distante uns trezentos metros do Costa, mas visualmente muito parecido a ele. E lá, no corredor do Aristides, enquanto esperava dessa vez por algo que não veio, vieram sim lembranças e lembranças do Costa. Pensando bem, sei lá se os dois colégios só são realmente parecidos apenas nessa minha longínqua memória. Dois minutos de concentração e vou conseguir diferenciá-los de forma inequívoca.
            Sete anos passei no Costa, cursei os últimos quatro anos do tal primeiro grau e os três do segundo. Ele agora é um colégio só de ensino médio. Desde então, voltei lá poucas vezes, a última para dar uma palestra aos alunos, nem faz tanto tempo assim... O mesmo Costa que tive que puxar pela memória enquanto escrevia a aventura “A turma do Costa e o desafio de Xadrez”. Se foi por conta das tais memórias de meu tempo de Costa ou não, o fato é que esse livro foi o que me saiu com mais tranquilidade, sentimento que não encontro com frequência em minhas cotidianas e inglórias batalhas com palavras e frases e ideias...
            Nesses dias de votação, sempre vou em horários de pouco movimento e, zás, voto rapidinho, sem nem ter tempo de mais nada. Mas, o voto roubado dessa última vez me forçou a ficar ali, e ali fiquei vendo as carteiras empilhadas e as carteiras empilhadas me trouxeram uma lembrança. Quem há de saber realmente como é que as lembranças aparecem, como te atropelam? Elas repentinamente te invadem a mente, muitos anos sem pensar naquilo, e brotam assim, sem sequer avisos prévios.
            As carteiras da escola, empilhadas hoje...
            Houve uma época, acreditem crianças, em que não havia zapzap, nem celular e a gente tinha que se virar para criar nossas redes sociais, conhecer pessoas virtualmente... E, acreditem crianças, havia sim vida sem o zapzap e sem o celular.
            E as carteiras da escola me trouxeram a lembrança de quando escondíamos nelas bilhetinhos, sim, pedaços de papéis endereçados a pessoas que muitas vezes nunca veríamos. Era assim, tudo começava como uma brincadeira, éramos jovens e inconsequentes, sim, crianças, juventude e inconsequências existem há muito tempo...
            Um primeiro bilhetinho inocente era deixado na parte debaixo da carteira, preso ao suporte de ferro, escondido do mundo, ou assim achávamos. E acontecia, por vezes, desse bilhetinho ter a sorte de ser encontrado por alguém que sentasse ali na mesma carteira mas em outro turno do dia. Às vezes, dava liga e a conversa seguia dia após dia, um bilhete seguindo o outro, sempre escondidos na parte debaixo da carteira, gerando curiosidades e emoções. Ás vezes, não dava e a brincadeira recomeçava tempos depois, talvez noutra carteira...
            Zapzap analógico, ficávamos conhecendo pessoas e, por vezes, isso até evoluia para um encontro cara a cara.
            Lembro de uma garota que se sentava, à tarde, na mesma carteira que eu gostava de usar pela manhã. Troca de bilhetes que me levou a visitar o Costa no período da tarde só para vê-la concentrada (ou não) na aula. Lembro dela e do filme a que fomos juntos (quer dizer, quem é que se lembra do filme?). Do namorico que, sei lá, não avançou. O encanto da troca de bilhetes se perdeu quando pudemos nos ver cara a cara, nos tocar, no ligeiro beijo roubado. Paciência...
            Mas a espera, ansiosa e por isso gostosa, pela busca, tão logo chegávamos à sala de aula, do pedaço de papel escondido, às vezes até uma folha inteira de carta, isso sim valia a pena. Era o céu quando conversávamos com alguém que correspondia e respondia seu zapzap. E, se seguisse em frente, melhor ainda.
            As carteiras empilhadas, lembranças, ansiedades...
            O zapzap passou, com o tempo, de analógico a digital, mas minha ansiedade pelas respostas por mensagens enviadas ainda se mantém muito viva. E ninguém me convence que isso não é fruto daqueles anos de Costa, da espera pelos bilhetinhos, daquele momento em que nossa mão se escondia por baixo da carteira à procura de alguma emoção, de um pedaço de papel que fosse. Ou até da ansiedade que me causou a sardenta Thaís, quem poderia se esquecer do primeiro amor platônico? Como esquecer a garota que sequer sabia que você existia, convidei-a um dia para o cinema e ela me deixou falando sozinho... Ansiedades e inseguranças que ainda persistem...
            Penso nisso olhando as carteiras empilhadas no dia da votação. Mas logo a diretora do colégio chega para falar comigo sobre o voto roubado e, quando pude relaxar de novo, as lembranças do Costa já tinham se distanciado de novo...


AGENDA. No dia 27 de outubro, a partir das 14 horas, teremos uma conversa no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre "Literatura e Matemática" com a presença de Jacques Fux, Marco Lucchesi e Nilson Machado e sob a minha mediação. Há um número limitado de vagas para assistir in loco, mas o evento será também transmitido ao vivo. Mais informações aqui.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Mãos dadas no parque... - Prescrito


 Prescrito...



AGENDA. No dia 27 de outubro, a partir das 14 horas, teremos uma conversa no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre "Literatura e Matemática" com a presença de Jacques Fux, Marco Lucchesi e Nilson Machado e sob a minha mediação. Há um número limitado de vagas para assistir in loco, mas o evento será também transmitido ao vivo. Mais informações aqui.



quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Roubaram o meu voto...


        Sim, queria contar-lhes que roubaram o meu voto no último domingo.
        Voto na 5a. Zona Eleitoral de São Paulo. Nessa Zona, tempos atrás, fiz inclusive uma promissora carreira, começando como mesário e chegando a presidente de seção. Tempos aqueles em que prestávamos atenção no que fazíamos, apesar de também querermos estar em outro lugar. Tempos em que era imprescindível saber a tal ordem alfabética (dois anos atrás, tive que ajudar um mesário, pois ele não conseguia achar o meu nome que acreditava estar entre as letras L e Z...). 
        Mas foi também nessa Zona que meu voto foi roubado nesse último domingo. Não que valesse muito, sei disso, um em quase nove milhões, e sei também que, infelizmente, não teria feito muita diferença no resultado final.
        Mas era o meu voto!
        Sabe, não era o valor real dele que importava e sim o seu valor sentimental. Mais de um terço de minha vida se passou com ele sendo mantido longe de mim e só pouco a pouco nos aproximamos.
Eu me lembro tão bem, por exemplo, do começo das Diretas Já, lá na Praça Charles Miller, ainda tudo muito incipiente, ainda a campanha era só de um pequeno grupo, daqueles loucos que começam todas as mudanças que realmente importam. Mas logo os menestréis arrependidos do peemedebê viram a grande chance e aquilo cresceu. Quem não se lembra daquela multidão na Praça da Sé, ou no Anhangabaú, onde viramos massa de manobra prá esses menestréis viabilizarem a própria eleição indireta prá presidente? Depois, quem esquece? O presidente morreu e um outro peemedebista assumiu pela primeira vez o poder (um vice, como sempre, sem voto popular como os demais). E o resto é história, história repetida... 
        Mas depois, meio que a contragosto de outros, meu voto e eu nos aproximamos e passamos por tantas coisas juntos, né? Nos decepcionamos, choramos juntos derrotas, mas também nos embriagamos com vitórias, algumas de pirro, eu sei. Mas sempre naquela confiança, naquela esperança, éramos cúmplices nisso, não? Meu voto sempre soube que não se bastava por si, consciente que é das armadilhas que o cercam. Mas, que coisa, era o meu voto e eu sempre confiei nele, nunca me descuidei dele, sempre o prestigiei. 
        Ele não tem culpa, fui roubado, simples como assim. Cheguei à minha seção, domingo passado, e ele não estava lá me esperando como devia. Alguém votou em meu nome, levou até o meu comprovante prá casa. Quem foi? Sei lá, havia um outro Flávio Coelho na lista, mas não eu, não Ulhoa, será que foi ele? Ou foi o Francisco logo abaixo de mim na lista? Só sei que me roubaram e sei lá em quem o meliante votou usando algo que não era dele! Será que desperdiçou o meu voto? Provável... 
        O voto era meu e eu o quero de volta, faço questão!
        Tentei argumentar, quero votar, mas me ignoraram como se fosse eu o errado. Justo eu que cuido tão bem dos meus votos, que só os deixei na mão naquelas vezes em que estava longe, muito longe, para voltar e votar. Valor sentimental, cara, nesses tempos difíceis, em que tudo parece que pode se evaporar ao ar facilmente, voto inclusive. Tempos difíceis de tanta intolerância e desrespeito. Tempos difíceis, não queríamos ter que recomeçar tudo de novo, prá frente é que se deve ir... 
        Saí de lá com um papelzinho que, depois descubro, não vale nada. Fui até o cartório e o juiz da Zona tampouco pode me ajudar, o sistema registra o meu voto e ninguém pode votar duas vezes. Atencioso, apenas me disse que quando o controle biométrico chegar... Aliás, diziam o mesmo das urnas eletrônicas, que problema algum aconteceria com elas. Sorri... sorri... o que fazer? 
        Dois minutos observando os mesários e eu tinha um par de observações que talvez ajudassem a diminuir os riscos de isso voltar a acontecer (de acordo com o juiz, naquela Zona foram três casos de roubos de votos iguais ao meu).  Mas quem sou eu, apesar de minha brilhante carreira mencionada acima, para palpitar? Qualquer sugestão seria recebida com aquele olhar de condescendência que os seres superiores nos reservam. E, creio, tampouco o roubo de meu voto virará sequer estatística. Pelo que sei, foi uma eleição sem contestação, parece que desta vez nem desconfiaram da urna eletrônica, ninguém pediu recontagem de votos, o TRE não foi acionado...  E, nesse novo Brasil, quem se importa com o meu voto roubado?
        Eu me importo.
        E fico aqui imaginando que serei chamado um dia ao cartório e a atendente irá me devolver o voto que me foi roubado. 
        Eu o olharei com carinho, sorrirei prá atendente e agradecerei sinceramente, mesmo sem saber muito bem o que fazer com ele então, o estrago já tinha sido feito. Mas antes de me distanciar do balcão, ela me chamará novamente.
        - Senhor, espere... estou vendo aqui no sistema... espera um pouquinho... há um voto aqui de... de... 2014... parece que ele foi cancelado alguns meses atrás e perdeu o valor... o senhor o quer de volta? Talvez como lembrança? Serviu prá nada mesmo...
        Roubaram o meu voto, é o que posso dizer... 


AGENDA. No dia 27 de outubro, a partir das 14 horas, teremos uma conversa no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre "Literatura e Matemática" com a presença de Jacques Fux, Marco Lucchesi e Nilson Machado e sob a minha mediação. Há um número limitado de vagas para assistir in loco, mas o evento será também transmitido ao vivo. Mais informações aqui.