Duas semanas atrás eu contei as desventuras sobre o roubo de meu voto, mas acabei não contando um dos pensamentos que transitou em minha mente enquanto esperava, em vão, uma solução para o seu estranho sumiço.
Eu estudei por sete anos no Colégio
Costa Manso, mas não é lá que eu voto. Eu voto no colégio Aristides de Castro,
distante uns trezentos metros do Costa, mas visualmente muito parecido a ele. E
lá, no corredor do Aristides, enquanto esperava dessa vez por algo que não
veio, vieram sim lembranças e lembranças do Costa. Pensando bem, sei lá se os
dois colégios só são realmente parecidos apenas nessa minha longínqua memória.
Dois minutos de concentração e vou conseguir diferenciá-los de forma
inequívoca.
Sete anos passei no Costa, cursei os
últimos quatro anos do tal primeiro grau e os três do segundo. Ele agora é um
colégio só de ensino médio. Desde então, voltei lá poucas vezes, a última para dar uma
palestra aos alunos, nem faz tanto tempo assim... O mesmo Costa que tive que
puxar pela memória enquanto escrevia a aventura “A turma do Costa e o desafio
de Xadrez”. Se foi por conta das tais memórias de meu tempo de Costa ou não, o
fato é que esse livro foi o que me saiu com mais tranquilidade, sentimento que não encontro com frequência em minhas cotidianas e
inglórias batalhas com palavras e frases e ideias...
Nesses dias de votação, sempre vou
em horários de pouco movimento e, zás, voto rapidinho, sem nem ter tempo de mais nada. Mas, o voto
roubado dessa última vez me forçou a ficar ali, e ali fiquei vendo as carteiras
empilhadas e as carteiras empilhadas me trouxeram uma lembrança. Quem há de saber
realmente como é que as lembranças aparecem, como te atropelam? Elas repentinamente
te invadem a mente, muitos anos sem pensar naquilo, e brotam assim, sem sequer
avisos prévios.
As carteiras da escola, empilhadas
hoje...
Houve uma época, acreditem crianças,
em que não havia zapzap, nem celular e a gente tinha que se virar para criar
nossas redes sociais, conhecer pessoas virtualmente... E, acreditem crianças,
havia sim vida sem o zapzap e sem o celular.
E as carteiras da escola me trouxeram
a lembrança de quando escondíamos nelas bilhetinhos, sim, pedaços de papéis
endereçados a pessoas que muitas vezes nunca veríamos. Era assim, tudo começava
como uma brincadeira, éramos jovens e inconsequentes, sim, crianças, juventude
e inconsequências existem há muito tempo...
Um primeiro bilhetinho inocente era
deixado na parte debaixo da carteira, preso ao suporte de ferro, escondido do
mundo, ou assim achávamos. E acontecia, por vezes, desse bilhetinho ter a sorte
de ser encontrado por alguém que sentasse ali na mesma carteira mas em outro
turno do dia. Às vezes, dava liga e a conversa seguia dia após dia, um bilhete
seguindo o outro, sempre escondidos na parte debaixo da carteira, gerando
curiosidades e emoções. Ás vezes, não dava e a brincadeira recomeçava tempos
depois, talvez noutra carteira...
Zapzap analógico, ficávamos
conhecendo pessoas e, por vezes, isso até evoluia para um encontro cara a cara.
Lembro de uma garota que se sentava,
à tarde, na mesma carteira que eu gostava de usar pela manhã. Troca de bilhetes
que me levou a visitar o Costa no período da tarde só para vê-la concentrada
(ou não) na aula. Lembro dela e do filme a que fomos juntos (quer dizer, quem é
que se lembra do filme?). Do namorico que, sei lá, não avançou. O encanto da
troca de bilhetes se perdeu quando pudemos nos ver cara a cara, nos tocar, no ligeiro beijo roubado. Paciência...
Mas a espera, ansiosa e por isso gostosa, pela busca, tão logo chegávamos à sala de aula, do pedaço de papel escondido, às vezes até uma folha inteira de carta, isso sim valia a pena. Era o céu quando conversávamos com alguém que correspondia e respondia seu zapzap. E, se seguisse em frente, melhor ainda.
Mas a espera, ansiosa e por isso gostosa, pela busca, tão logo chegávamos à sala de aula, do pedaço de papel escondido, às vezes até uma folha inteira de carta, isso sim valia a pena. Era o céu quando conversávamos com alguém que correspondia e respondia seu zapzap. E, se seguisse em frente, melhor ainda.
As carteiras empilhadas, lembranças,
ansiedades...
O zapzap passou, com o tempo, de
analógico a digital, mas minha ansiedade pelas respostas por mensagens enviadas
ainda se mantém muito viva. E ninguém me convence que isso não é fruto daqueles
anos de Costa, da espera pelos bilhetinhos, daquele momento em que nossa mão se
escondia por baixo da carteira à procura de alguma emoção, de um pedaço de
papel que fosse. Ou até da ansiedade que me causou a sardenta Thaís, quem poderia se
esquecer do primeiro amor platônico? Como esquecer a garota que sequer sabia que
você existia, convidei-a um dia para o cinema e ela me deixou falando
sozinho... Ansiedades e inseguranças que ainda persistem...
Penso nisso olhando as carteiras
empilhadas no dia da votação. Mas logo a diretora do colégio chega para falar
comigo sobre o voto roubado e, quando pude relaxar de novo, as lembranças do
Costa já tinham se distanciado de novo...
AGENDA. No dia 27 de outubro, a partir das 14 horas, teremos uma conversa no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre "Literatura e Matemática" com a presença de Jacques Fux, Marco Lucchesi e Nilson Machado e sob a minha mediação. Há um número limitado de vagas para assistir in loco, mas o evento será também transmitido ao vivo. Mais informações aqui.
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