quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Zapzap analógico...



            Duas semanas atrás eu contei as desventuras sobre o roubo de meu voto, mas acabei não contando um dos pensamentos que transitou em minha mente enquanto esperava, em vão, uma solução para o seu estranho sumiço.
            Eu estudei por sete anos no Colégio Costa Manso, mas não é lá que eu voto. Eu voto no colégio Aristides de Castro, distante uns trezentos metros do Costa, mas visualmente muito parecido a ele. E lá, no corredor do Aristides, enquanto esperava dessa vez por algo que não veio, vieram sim lembranças e lembranças do Costa. Pensando bem, sei lá se os dois colégios só são realmente parecidos apenas nessa minha longínqua memória. Dois minutos de concentração e vou conseguir diferenciá-los de forma inequívoca.
            Sete anos passei no Costa, cursei os últimos quatro anos do tal primeiro grau e os três do segundo. Ele agora é um colégio só de ensino médio. Desde então, voltei lá poucas vezes, a última para dar uma palestra aos alunos, nem faz tanto tempo assim... O mesmo Costa que tive que puxar pela memória enquanto escrevia a aventura “A turma do Costa e o desafio de Xadrez”. Se foi por conta das tais memórias de meu tempo de Costa ou não, o fato é que esse livro foi o que me saiu com mais tranquilidade, sentimento que não encontro com frequência em minhas cotidianas e inglórias batalhas com palavras e frases e ideias...
            Nesses dias de votação, sempre vou em horários de pouco movimento e, zás, voto rapidinho, sem nem ter tempo de mais nada. Mas, o voto roubado dessa última vez me forçou a ficar ali, e ali fiquei vendo as carteiras empilhadas e as carteiras empilhadas me trouxeram uma lembrança. Quem há de saber realmente como é que as lembranças aparecem, como te atropelam? Elas repentinamente te invadem a mente, muitos anos sem pensar naquilo, e brotam assim, sem sequer avisos prévios.
            As carteiras da escola, empilhadas hoje...
            Houve uma época, acreditem crianças, em que não havia zapzap, nem celular e a gente tinha que se virar para criar nossas redes sociais, conhecer pessoas virtualmente... E, acreditem crianças, havia sim vida sem o zapzap e sem o celular.
            E as carteiras da escola me trouxeram a lembrança de quando escondíamos nelas bilhetinhos, sim, pedaços de papéis endereçados a pessoas que muitas vezes nunca veríamos. Era assim, tudo começava como uma brincadeira, éramos jovens e inconsequentes, sim, crianças, juventude e inconsequências existem há muito tempo...
            Um primeiro bilhetinho inocente era deixado na parte debaixo da carteira, preso ao suporte de ferro, escondido do mundo, ou assim achávamos. E acontecia, por vezes, desse bilhetinho ter a sorte de ser encontrado por alguém que sentasse ali na mesma carteira mas em outro turno do dia. Às vezes, dava liga e a conversa seguia dia após dia, um bilhete seguindo o outro, sempre escondidos na parte debaixo da carteira, gerando curiosidades e emoções. Ás vezes, não dava e a brincadeira recomeçava tempos depois, talvez noutra carteira...
            Zapzap analógico, ficávamos conhecendo pessoas e, por vezes, isso até evoluia para um encontro cara a cara.
            Lembro de uma garota que se sentava, à tarde, na mesma carteira que eu gostava de usar pela manhã. Troca de bilhetes que me levou a visitar o Costa no período da tarde só para vê-la concentrada (ou não) na aula. Lembro dela e do filme a que fomos juntos (quer dizer, quem é que se lembra do filme?). Do namorico que, sei lá, não avançou. O encanto da troca de bilhetes se perdeu quando pudemos nos ver cara a cara, nos tocar, no ligeiro beijo roubado. Paciência...
            Mas a espera, ansiosa e por isso gostosa, pela busca, tão logo chegávamos à sala de aula, do pedaço de papel escondido, às vezes até uma folha inteira de carta, isso sim valia a pena. Era o céu quando conversávamos com alguém que correspondia e respondia seu zapzap. E, se seguisse em frente, melhor ainda.
            As carteiras empilhadas, lembranças, ansiedades...
            O zapzap passou, com o tempo, de analógico a digital, mas minha ansiedade pelas respostas por mensagens enviadas ainda se mantém muito viva. E ninguém me convence que isso não é fruto daqueles anos de Costa, da espera pelos bilhetinhos, daquele momento em que nossa mão se escondia por baixo da carteira à procura de alguma emoção, de um pedaço de papel que fosse. Ou até da ansiedade que me causou a sardenta Thaís, quem poderia se esquecer do primeiro amor platônico? Como esquecer a garota que sequer sabia que você existia, convidei-a um dia para o cinema e ela me deixou falando sozinho... Ansiedades e inseguranças que ainda persistem...
            Penso nisso olhando as carteiras empilhadas no dia da votação. Mas logo a diretora do colégio chega para falar comigo sobre o voto roubado e, quando pude relaxar de novo, as lembranças do Costa já tinham se distanciado de novo...


AGENDA. No dia 27 de outubro, a partir das 14 horas, teremos uma conversa no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre "Literatura e Matemática" com a presença de Jacques Fux, Marco Lucchesi e Nilson Machado e sob a minha mediação. Há um número limitado de vagas para assistir in loco, mas o evento será também transmitido ao vivo. Mais informações aqui.

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