quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Roubaram o meu voto...


        Sim, queria contar-lhes que roubaram o meu voto no último domingo.
        Voto na 5a. Zona Eleitoral de São Paulo. Nessa Zona, tempos atrás, fiz inclusive uma promissora carreira, começando como mesário e chegando a presidente de seção. Tempos aqueles em que prestávamos atenção no que fazíamos, apesar de também querermos estar em outro lugar. Tempos em que era imprescindível saber a tal ordem alfabética (dois anos atrás, tive que ajudar um mesário, pois ele não conseguia achar o meu nome que acreditava estar entre as letras L e Z...). 
        Mas foi também nessa Zona que meu voto foi roubado nesse último domingo. Não que valesse muito, sei disso, um em quase nove milhões, e sei também que, infelizmente, não teria feito muita diferença no resultado final.
        Mas era o meu voto!
        Sabe, não era o valor real dele que importava e sim o seu valor sentimental. Mais de um terço de minha vida se passou com ele sendo mantido longe de mim e só pouco a pouco nos aproximamos.
Eu me lembro tão bem, por exemplo, do começo das Diretas Já, lá na Praça Charles Miller, ainda tudo muito incipiente, ainda a campanha era só de um pequeno grupo, daqueles loucos que começam todas as mudanças que realmente importam. Mas logo os menestréis arrependidos do peemedebê viram a grande chance e aquilo cresceu. Quem não se lembra daquela multidão na Praça da Sé, ou no Anhangabaú, onde viramos massa de manobra prá esses menestréis viabilizarem a própria eleição indireta prá presidente? Depois, quem esquece? O presidente morreu e um outro peemedebista assumiu pela primeira vez o poder (um vice, como sempre, sem voto popular como os demais). E o resto é história, história repetida... 
        Mas depois, meio que a contragosto de outros, meu voto e eu nos aproximamos e passamos por tantas coisas juntos, né? Nos decepcionamos, choramos juntos derrotas, mas também nos embriagamos com vitórias, algumas de pirro, eu sei. Mas sempre naquela confiança, naquela esperança, éramos cúmplices nisso, não? Meu voto sempre soube que não se bastava por si, consciente que é das armadilhas que o cercam. Mas, que coisa, era o meu voto e eu sempre confiei nele, nunca me descuidei dele, sempre o prestigiei. 
        Ele não tem culpa, fui roubado, simples como assim. Cheguei à minha seção, domingo passado, e ele não estava lá me esperando como devia. Alguém votou em meu nome, levou até o meu comprovante prá casa. Quem foi? Sei lá, havia um outro Flávio Coelho na lista, mas não eu, não Ulhoa, será que foi ele? Ou foi o Francisco logo abaixo de mim na lista? Só sei que me roubaram e sei lá em quem o meliante votou usando algo que não era dele! Será que desperdiçou o meu voto? Provável... 
        O voto era meu e eu o quero de volta, faço questão!
        Tentei argumentar, quero votar, mas me ignoraram como se fosse eu o errado. Justo eu que cuido tão bem dos meus votos, que só os deixei na mão naquelas vezes em que estava longe, muito longe, para voltar e votar. Valor sentimental, cara, nesses tempos difíceis, em que tudo parece que pode se evaporar ao ar facilmente, voto inclusive. Tempos difíceis de tanta intolerância e desrespeito. Tempos difíceis, não queríamos ter que recomeçar tudo de novo, prá frente é que se deve ir... 
        Saí de lá com um papelzinho que, depois descubro, não vale nada. Fui até o cartório e o juiz da Zona tampouco pode me ajudar, o sistema registra o meu voto e ninguém pode votar duas vezes. Atencioso, apenas me disse que quando o controle biométrico chegar... Aliás, diziam o mesmo das urnas eletrônicas, que problema algum aconteceria com elas. Sorri... sorri... o que fazer? 
        Dois minutos observando os mesários e eu tinha um par de observações que talvez ajudassem a diminuir os riscos de isso voltar a acontecer (de acordo com o juiz, naquela Zona foram três casos de roubos de votos iguais ao meu).  Mas quem sou eu, apesar de minha brilhante carreira mencionada acima, para palpitar? Qualquer sugestão seria recebida com aquele olhar de condescendência que os seres superiores nos reservam. E, creio, tampouco o roubo de meu voto virará sequer estatística. Pelo que sei, foi uma eleição sem contestação, parece que desta vez nem desconfiaram da urna eletrônica, ninguém pediu recontagem de votos, o TRE não foi acionado...  E, nesse novo Brasil, quem se importa com o meu voto roubado?
        Eu me importo.
        E fico aqui imaginando que serei chamado um dia ao cartório e a atendente irá me devolver o voto que me foi roubado. 
        Eu o olharei com carinho, sorrirei prá atendente e agradecerei sinceramente, mesmo sem saber muito bem o que fazer com ele então, o estrago já tinha sido feito. Mas antes de me distanciar do balcão, ela me chamará novamente.
        - Senhor, espere... estou vendo aqui no sistema... espera um pouquinho... há um voto aqui de... de... 2014... parece que ele foi cancelado alguns meses atrás e perdeu o valor... o senhor o quer de volta? Talvez como lembrança? Serviu prá nada mesmo...
        Roubaram o meu voto, é o que posso dizer... 


AGENDA. No dia 27 de outubro, a partir das 14 horas, teremos uma conversa no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre "Literatura e Matemática" com a presença de Jacques Fux, Marco Lucchesi e Nilson Machado e sob a minha mediação. Há um número limitado de vagas para assistir in loco, mas o evento será também transmitido ao vivo. Mais informações aqui.

3 comentários: