quinta-feira, 4 de junho de 2015

Thio Therezo e o amanhecer.


Certa feita, Thio Therezo contou-nos que, em suas andanças pelos lados da grande mata, cruzou inesperadamente com uma tranquila e discreta tribo de índios e que falavam uma língua que talvez já esteja até extinta. O bom era que o Thio conseguia, de que forma fosse, se comunicar com quem quer que cruzasse seu caminho.
Após o costumeiro estranhamento que sempre ocorre nesses momentos de primeiros encontros, ele ficou sabendo que, ao entardecer de cada um dos dias, o chefe-mor da tribo liderava uma exótica dança que saudava o descanso do sol e pedia que ele voltasse a aparecer decorridas algumas horas. Acreditavam esses índios que, se assim não o fizessem, o breu noturno duraria para sempre. 
Thio Therezo percebeu, ao ouvir a estória, o compreensível orgulho de todos da tribo por essa grande responsabilidade assumida por eles milênios atrás. Resolveu então ficar por lá, por alguns dias que fossem, para aprender esse essencial ritual para a continuidade dos dias e assim, em uma eventual emergência, saber repeti-lo corretamente.
Nessa dança, chamada de “Mombo”, seis graduados integrantes da tribo dançavam em duas fileiras de três, uma atrás da outra e ambas viradas para onde o dia se esvaía. Esperavam a postos e imóveis desde os primeiros sinais dados pelo preguiçoso sol antes de se esconder e isso, por vezes, demorava quase uma hora. Esperavam até que o chefe-mor, que não participava diretamente dos passos, os autorizassem a começar. 
A dança, com seu nome típico na língua quase extinta e que significava, em uma tradução bastante livre, “grande momento”, deveria ser feita sempre com a usual precisão, devido à responsabilidade embutida em tal ritual. Uma vez começada, nada, força alguma do universo, poderia fazê-la parar sob a implacável pena da eterna escuridão.
Thio Therezo resolveu demonstrar a nós como era essa dança. Atabalhoado que sempre foi, quase que destruiu o único vaso remanescente do casamento de meus pais ao mover a mesinha de centro de nossa sala. Dispôs a todos nós em duas fileiras e mostrou os passos. Enquanto que uma fileira caminhava para sua esquerda, a outra à direita ia, em uma singela harmonia que, seguramente, deixaria qualquer sol encabulado em não aceitar o pedido para retornar mais tarde, ou bem cedo, conforme o ponto de vista.
Ao final da demonstração, Thio Therezo se quedou todo pensativo por constrangedores minutos e comentou:
- Ainda bem que eles, nesses milênios todos, nunca falharam na dança. O amanhecer é algo a menos para eu ter que me preocupar...
Seu olhar distante o tornava inacessível nesses momentos. Eu era pequeno naquela época e essas coisas me impressionavam tanto!

São Paulo, junho de 2K12

2 comentários:

  1. Estou adorando acompanhar este blog!!! Gostei do Thio Therezo!!! Bjs, Marcia.

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