De todos
os assuntos frivobanais possíveis de serem tratados em uma roda de bar,
seguramente o preferido do Thio Therezo é o futebol. Por sua vez, o menos
preferido é falar sobre o tempo e o Thio justificava essa não preferência
lembrando de um personagem de um romance que ele sempre esquecia o nome e nunca
se lembrava de seu autor que dizia que “na falta de assunto, fale sobre o
tempo...”. Não à toa que os canais de TV hoje em dia gastam tanto tempo (sem
trocadilho) com isso. Não que não haja uma profusão de assuntos a tratar, mas
apenas que há a opção por não trata-los, mas isso é outra estória, talvez séria
demais para uma mesa de bar...
Mas
falava-se de futebol e a estória que vamos relembrar hoje se passou em um bar aqui
perto de casa durante a copa de 2014. Estavam, em volta de meia dúzia de
cervejas, além do Thio e de alguns
tantos brasileiros, dois amigos estrangeiros: o Guaio, uruguaio de Montevidéu, e o Quesejô, mardelplatense, ambos radicados em sampa há anos. O Thio
Therezo se perguntava sempre o que eles faziam por aqui, afinal, trocar as
famosas ramblas que ambos poderiam frequentar diariamente em suas cidades de
origem pelo, no máximo, o Parque do Ibirapuera era meio inexplicável a ele. Por
outro lado, eram excelentes companhias para as famosas cervejas de final de
semana.
Era 2014
e apenas um par de dias depois do famoso sete a um da Alemanha sobre o Brasil.
De toda forma, sempre que se encontrava com o Guaio e falavam de futebol, o
Thio lembrava de uma piada dos princípios do século passado sobre o movimento
separatista gaúcho. De acordo com ela, o Rio Grande do Sul se tornaria
independente mas anexaria a Santa Catarina, por conta das praias, e o Uruguai,
por conta do futebol.
Pode ser
que nesses princípios de século XXI alguns considerassem outras motivações, de
ordem política ou social, para uma anexação do país vizinho, a nós seguramente
produtiva, mas o fato é que nas primeiras décadas do século XX, o futebol
uruguaio imperava, tendo ganho as medalhas de ouro nas duas olimpíadas de 1924
e 1928, além do primeiro campeonato mundial exclusivo de futebol, o de 1930.
Quanto à beleza das praias a serem anexadas, nem se comenta... ainda mais
frente a um fanático argentino.
O Guaio, ao ouvir essa piada
e com sorriso satisfeito, sempre complementava observando que o Uruguai teria
sido o primeiro tricampeão mundial de futebol, pois, na falta de um campeonato
legítimo, as olimpíadas serviam como um perfeito substituto. Além de tudo, os
torneios de futebol nessas olimpíadas foram organizados pela FIFA. Seus
interlocutores riam da broma e seguiam em frente.
Mas naquele dia e após o fatídico
sete a um sobre o Brasil, o assunto tinha se tornado mais numérico. O Thio
primeiro observou que os principais vexames brasileiros em copas do mundo se
repetiam a cada 32 anos. Primeiro, o de 1950, o famoso Maracanazo, ao que o
Guaio retrucou que não tinha sido vexame algum dada a superioridade clara do
time uruguaio naquele campeonato. Um sorriso condescendente dos presentes fez
com que o Thio prosseguisse sua fala. Depois, o desastre de 1982, o do Sarriá,
quando uma das melhores seleções de todos os tempos sucumbiu inesperadamente
frente à Itália.
E agora, 32 anos mais, o tal
dos sete a um... e novamente em casa!
Não que o Thio Therezo fosse
fã de numerologia, muito pelo contrário, ele apenas se divertia com essas
coincidências numéricas. E, naquele dia, sentindo-se animado com a
receptividade da primeira estatística, completou que se a Alemanha fosse
campeã, viraria tetracampeã em 2014, justamente 24 anos depois de ter se
tornado tricampeã, mantendo assim um padrão dos outros tetras, o do Brasil e o
da Itália que também demoraram cada um 24 anos entre o tri e o tetra.
Um silêncio se fez
momentaneamente, o suficiente para que cada um dos presentes puxassem pela
memória, ou checassem com algum vizinho de mesa, os dados que justificariam a
informação do Thio. O Quesejô logo protestou dizendo que aquele timinho
germânico não conseguiria passar pela poderosa Argentina de Messi e portanto a
numerologia estava fadada a falhar desta vez, uns dias mais e tudo se
resolveria a favor do time sulamericano. No entanto, demorou um pouco mais para
o Guaio também protestar contra essa conta levantada pelo Thio:
“Mas o Uruguai só levou 20
anos para ser tetra depois do tri em 1930...”
Frente ao silêncio
constrangedor que se criou, o Thio ainda
tomou um último gole de cerveja, curvou-se um pouco para olhar o céu fora do
bar e completou:
“É... parece que vai
chover...”