quinta-feira, 10 de março de 2016

Tetras e tretas


            De todos os assuntos frivobanais possíveis de serem tratados em uma roda de bar, seguramente o preferido do Thio Therezo é o futebol. Por sua vez, o menos preferido é falar sobre o tempo e o Thio justificava essa não preferência lembrando de um personagem de um romance que ele sempre esquecia o nome e nunca se lembrava de seu autor que dizia que “na falta de assunto, fale sobre o tempo...”. Não à toa que os canais de TV hoje em dia gastam tanto tempo (sem trocadilho) com isso. Não que não haja uma profusão de assuntos a tratar, mas apenas que há a opção por não trata-los, mas isso é outra estória, talvez séria demais para uma mesa de bar...
            Mas falava-se de futebol e a estória que vamos relembrar hoje se passou em um bar aqui perto de casa durante a copa de 2014. Estavam, em volta de meia dúzia de cervejas, além do Thio  e de alguns tantos brasileiros, dois amigos estrangeiros: o Guaio, uruguaio de Montevidéu, e o Quesejô, mardelplatense, ambos radicados em sampa há anos. O Thio Therezo se perguntava sempre o que eles faziam por aqui, afinal, trocar as famosas ramblas que ambos poderiam frequentar diariamente em suas cidades de origem pelo, no máximo, o Parque do Ibirapuera era meio inexplicável a ele. Por outro lado, eram excelentes companhias para as famosas cervejas de final de semana.
            Era 2014 e apenas um par de dias depois do famoso sete a um da Alemanha sobre o Brasil. De toda forma, sempre que se encontrava com o Guaio e falavam de futebol, o Thio lembrava de uma piada dos princípios do século passado sobre o movimento separatista gaúcho. De acordo com ela, o Rio Grande do Sul se tornaria independente mas anexaria a Santa Catarina, por conta das praias, e o Uruguai, por conta do futebol.
            Pode ser que nesses princípios de século XXI alguns considerassem outras motivações, de ordem política ou social, para uma anexação do país vizinho, a nós seguramente produtiva, mas o fato é que nas primeiras décadas do século XX, o futebol uruguaio imperava, tendo ganho as medalhas de ouro nas duas olimpíadas de 1924 e 1928, além do primeiro campeonato mundial exclusivo de futebol, o de 1930. Quanto à beleza das praias a serem anexadas, nem se comenta... ainda mais frente a um fanático argentino.
O Guaio, ao ouvir essa piada e com sorriso satisfeito, sempre complementava observando que o Uruguai teria sido o primeiro tricampeão mundial de futebol, pois, na falta de um campeonato legítimo, as olimpíadas serviam como um perfeito substituto. Além de tudo, os torneios de futebol nessas olimpíadas foram organizados pela FIFA. Seus interlocutores riam da broma e seguiam em frente.
Mas naquele dia e após o fatídico sete a um sobre o Brasil, o assunto tinha se tornado mais numérico. O Thio primeiro observou que os principais vexames brasileiros em copas do mundo se repetiam a cada 32 anos. Primeiro, o de 1950, o famoso Maracanazo, ao que o Guaio retrucou que não tinha sido vexame algum dada a superioridade clara do time uruguaio naquele campeonato. Um sorriso condescendente dos presentes fez com que o Thio prosseguisse sua fala. Depois, o desastre de 1982, o do Sarriá, quando uma das melhores seleções de todos os tempos sucumbiu inesperadamente frente à Itália.
E agora, 32 anos mais, o tal dos sete a um... e novamente em casa!
Não que o Thio Therezo fosse fã de numerologia, muito pelo contrário, ele apenas se divertia com essas coincidências numéricas. E, naquele dia, sentindo-se animado com a receptividade da primeira estatística, completou que se a Alemanha fosse campeã, viraria tetracampeã em 2014, justamente 24 anos depois de ter se tornado tricampeã, mantendo assim um padrão dos outros tetras, o do Brasil e o da Itália que também demoraram cada um 24 anos entre o tri e o tetra.
Um silêncio se fez momentaneamente, o suficiente para que cada um dos presentes puxassem pela memória, ou checassem com algum vizinho de mesa, os dados que justificariam a informação do Thio. O Quesejô logo protestou dizendo que aquele timinho germânico não conseguiria passar pela poderosa Argentina de Messi e portanto a numerologia estava fadada a falhar desta vez, uns dias mais e tudo se resolveria a favor do time sulamericano. No entanto, demorou um pouco mais para o Guaio também protestar contra essa conta levantada pelo Thio:
“Mas o Uruguai só levou 20 anos para ser tetra depois do tri em 1930...”
Frente ao silêncio constrangedor que se criou, o Thio  ainda tomou um último gole de cerveja, curvou-se um pouco para olhar o céu fora do bar e completou:

“É... parece que vai chover...”

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