quinta-feira, 12 de maio de 2016

Olhando a Sistina.

       
       Não é segredo a ninguém, mesmo àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de vê-la, a beleza da famosa Capela Sistina. No entanto, muitos poucos de nós, seguramente, tiveram a oportunidade de experimentar a melhor vista da incrível pintura que cobre o teto. E nem vou dizer que, atualmente, a maioria se contenta com um apressado selfie e esses nem se importam em observar realmente a pintura. Somos, Thio Therezo e eu, do tempo em que o que importava mais era admirar uma pintura, uma paisagem, uma cidade, um mural... do tempo em que o protagonista da foto não era nossa cara estragando a vista. Do tempo em que a lembrança superava os pixels...
       Mas o Thio Therezo, sim, teve a oportunidade de admirar a pintura do teto da maneira que ela merece. Em um dos inúmeros dias em que o Thio aproveitava o seu tempo dentro da Capela (por um motivo que nunca nos foi propriamente esclarecido, ele tinha acesso ilimitado à Capela, o dia que quisesse, o horário que melhor lhe aprouvesse), em um desses dias, ele parou e pareceu perceber algo que, primeira vez, chamava-lhe a atenção. O Thio, então, deitou-se ao chão para melhor observar o detalhe nunca antes visto. 
       Nem é preciso dizer que foi um rebuliço, os turistas com suas máquinas e seus celulares agora se alternavam entre selfies narcísicos, fotos desfocadas do teto, mas também daquele estranho sujeito deitado ao chão. Como só poderia acontecer, logo a sala ficou repleta da guarda suíça mas, antes mesmo que alguma atitude mais brusca pudesse ser tomada contra o Thio, um parente distante nosso, um suplente de subvicechefe da Divisão Noroeste da Guarda de Honra da Capela, o reconheceu e, consequentemente, todos perderam a ação, tão forte é o nome dele no Vaticano. O intocável Thio Therezo.
       Enquanto o Thio ainda se entretinha com os detalhes do teto, a guarda tratou de fechar a Capela aos outros visitantes que, sob protestos vários, foram retirados do recinto. Já se disse que o Vaticano é uma grande província e, nesses casos, as notícias correm desenfreadamente. Não demorou muito e o Papa em pessoa adentrava o recinto seguido pelo usual séquito de cardeais e assessores.
       - Thio, meu caro Thio, por que você não me avisou que vinha? O Papa foi logo falando. 
       Thio Therezo, após o respeitoso cumprimento de eterna admiração ao Papa, completou.
       - Desculpe-me por não me levantar... mas Vossa Santidade já reparou na pequena diferença de tonalidade naquela nuvem ali? O Thio apontava para o magnífico teto.
        O Papa ficou um tanto quanto desconcertado com essa inesperada informação. Tentou olhar, mas a posição desconfortável doeu-lhe o pescoço e, logo, ele também estava deitado ao chão, ao lado do Thio, para desespero e espanto de todos presentes, guardas e cardeais, ajudantes de ordem e freiras várias. É claro que não demorou muito para aparecer uma almofada de sustentação para a sua cabeça mas, ele em uma atitude extremamente papal, a repassou ao Thio. Outra, é claro, foi imediatamente providenciada para a sua santíssima cabeça.
        Passaram a discutir detalhes da pintura do teto, muitas vezes o Thio concedendo ao seu interlocutor a palavra final, em um merecido e adequado reconhecimento hierárquico. Os poucos que presenciaram tal cena até hoje se lembram, com justa admiração, da profundidade histórico-filosófica dessa iluminada conversa.
        Acontece que, pelo ridículo da cena ou por doerem por demais as costas já anciãs, o Papa deu por terminada a conversa e, após se estabilizarem de pé, convidou o Thio para um de chá de meio da tarde.
       - Santidade, não quero atrapalhar...
       - Vem, assim você me auxilia com um sermão que terei que dar amanhã...
       Claro está que o Thio, mesmo com todo o seu conhecimento e sensibilidade, está longe de poder ajudar o Papa em qualquer coisa, o Papa estava apenas sendo delicado com o seu amigo de longa data. Mas, o chá do Vaticano, ah! o chá do Vaticano, isso o Thio não recusaria, não estava insano... Dizem que as folhas desse chá são plantadas em pequenas quantidades nas terras especiais de um escondido e longínquo convento de freiras surdo-mudas e, quem o tomou, jamais o esquecerá.
        É o que dizem... sei lá!


[[Essa semana o meu blog completa um ano e eu queria agradecer o apoio e a gentileza dos que me acompanham nesse espaço!]]

2 comentários:

  1. As histórias do Thio Therezo já estão formando um volume. Espero a publicação de uma coletânea.

    Parabéns pelo aniversário deste blog. Acho uma iniciativa excelente.

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    1. Obrigado, Ricardo! Ainda faltam algumas estórias do Thio antes da coletânea, ele se envolveu em muita coisa ao longo dos anos... [ ]ss

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