O garoto abriu os olhos e, zumm,
teve a impressão de que um Pikachu tinha se escondido no escuro de seu quarto,
no friozinho daquela madrugada. Estranhou tal movimentação e com seus olhos
ainda confusos, naquela fase que ainda se está meio dormindo meio acordado, tentou
se focar para onde ele tinha ido. Zumm e o Pikachu ligeiro o distraiu de novo.
Sua mão procurou o celular no criado mudo ao lado da cama. Mãos tateantes não o
encontraram. Buscou a luz e acendeu. Deu de cara com o Pikachu que digitava
algo no celular, exatamente no celular que não encontrara no criado mudo. O
Pikachu levantou seus olhos e sorriu seu sorriso tristenigmático.
Essa cena foi a última coisa que o
garoto viu antes de ser capturado.
****
Os pais do garoto só se deram conta
de seu desaparecimento quando, horas depois do amanhecer, eles foram buscá-lo
em seu quarto.
Desaparecido, BO feito, polícia
acionada, os pais agora estão frente a frente a um grupo meio que heterogêneo.
Tentavam se entender.
“Não, senhora...“ dizia um dos
engravatados do grupo, “não, por favor não coloque palavras em nossa boca. Sim,
somos advogados e sim somos advogados dos criadores do Pokémon go,
isso é público mas não, senhora, em nenhum momento dissemos que estamos aqui
nessa função, e tampouco, senhora, pode-se inferir do que aqui falamos até
agora que o suposto desaparecimento de seu querido filho tem a ver com a nossa
presença aqui...”
“Então por que essa visita?”
“Senhora, senhor... só estamos aqui
tentando ajudar no esclarecimento do suposto desaparecimento de seu querido
filho.”
Ao que o cara com cara de nerd
falou:
“Eu gostaria de examinar o quarto de
seu filho...”
“Mas a polícia já fez isso...”,
disse o pai inconformado.
“Mas não com a nossa tecnologia. Nós...
ãhn... desenvolvemos uma versão Beta do Pokémon go
que saiu um pouco de nosso controle... queremos ver se há algum vestígio dele
no quarto de seu filho...”
“Você acha que isto pode ter causado
o desaparecimento de nosso filho?” perguntou o pai do garoto.
“Ei... terei que interferir
novamente”, o engravatado falou. “Ninguém aqui está sugerindo que essa suposta
versão chamada de Beta, da qual, digamos de passagem, não há comprovação de
existência alguma, tenha algo remotamente a ver com o suposto desaparecimento
de seu filho.”
O cara com cara de nerd pensou que
sim, que a ligação entre os dois eventos estava mais do que evidente, mas nada
disse, estava instruído por seu chefe a seguir as orientações dos engravatados.
Além disso, a rigor, o único que importava agora era entender o que dera errado
na versão Beta que ele desenvolvera...
“... mas foi o que entendi do que
ele falou”, a mãe retrucou apontando o cara com cara de nerd.
“Senhora, cabe-me agora alertá-la
severamente de que se a senhora continuar com essa linha de raciocínio, terei
que tomar as devidas medidas jurídicas e elas não serão nem um pouco agradáveis,
isso eu posso lhe garantir.”
“Então eu peço que os senhores se
retirem de minha casa...” retrucou o pai, agora já sem paciência para essa
farsa.
Ninguém se moveu. E foi aí que ficou
claro aos pais do garoto que havia uma ordem judicial que dava total autonomia
aos que lá se encontravam para proceder às buscas necessárias para se
localizar, não o garoto pois isso aparentemente pouco interessava àquele grupo
heterogêneo, mas sim o Pikachu Beta que escapuliu do sistema central da
companhia. Como só se poderia imaginar, nenhum detalhe pode ser esclarecido
pois o processo estava sob segredo de justiça, nem registro no sistema
judiciário aparecia, tudo escondido como convém em certos casos...
***
A adolescente pegou a bandeja com o
seu combo de hambúrguer e foi comer em uma mesa isolada da lanchonete. Deixou o
celular pink com orelha de coelhos na mesa por um instante enquanto saboreava
as batatas fritas. Era meio da tarde e ela estava faminta. Tudo muito rápido,
ela só percebeu que um Pikachu a olhava do lado oposto da mesa com o seu
celular pink com orelha de coelhos nas mãos e sorriso tristenigmático. Mas já
era tarde. Ainda trazia às mãos o hambúrguer que mal saboreou e mal teve tempo
de sequer arregalar os olhos. Dez minutos depois, o sanduíche foi encontrado
todo esparramado ao chão acompanhado de batatinhas e nenhuma câmera de
segurança viu a adolescente sair da lanchonete.
***
Ao serem consolidados os números de
desaparecimentos sem explicações naquele par de meses de inverno, notou-se um estranho
mas significativo crescimento nesse tipo de evento. Tão misterioso quanto esse
aumento foi o repentino e inexplicável retorno desses números aos patamares
anteriores após meras duas semanas. Erro estatístico, assim constou em inúmeros
relatórios internos sobre esse assunto e, ordens superiores, não se fala mais
nisso.
***
O parque já estava vazio quando o
corredor fazia seus exercícios ao final da tarde ouvindo música no celular. Ele
notou então uma movimentação estranha por trás de umas árvores e o susto o fez
derrubar o celular...
Vamos dizer dessa maneira: ele nunca
mais correu no parque...