Não há pessoas normais que não tenham a sua usual cota de
TOCs. Há quem verifique inúmeras vezes se as luzes de casa estão apagadas antes
de sair, assim como eu. Ou que voltem, depois de já ter entrado no shopping
center, ao seu estacionamento para se certificarem que o carro está trancado,
assim como eu. Ou mesmo que mantenha incontáveis backup, em igualmente
incontáveis midias, de qualquer arquivo que tenha digitado. É o famoso vai que...
TOC, TOC, TOC, há quem não os tenha?
O do Thio Therezo, ou melhor um deles, é não suportar ver
uma etiqueta prá fora da roupa, sua ou de outrem. Não essas etiquetas que, na
moda, nasceram só para aparecer, e assim o fazem todas exibidas. As etiquetas
que impacientam o Thio são aquelas, as inibidas, as discretas, que insistem em
se mostrar por fora de camisetas, blusas, calças e, por vezes, cuecas e
calcinhas.
O pânico se instaura quando, ao ascender à escada rolante
do Metrô, o Thio vê crescer à sua frente alguma moça de miniblusa e com a
etiqueta do shorts aparecendo exultante, mirando-o em um desafio impossível de
ser vencido. Ou na praia, martírio dos portadores desse TOC, com a multidão de
sungas e biquinis desobedientes. Por conta de algum mecanismo ainda mal
explicado cientificamente, o calor e as gotículas de suor, menores que sejam,
potencializam esse transtorno levando os seus portadores a torturas mentais
inimagináveis.
Fossem outras as convenções sociais vigentes e nada de
mal haveria, então, em permitir que outros, com um singelo movimento de dedos,
recolocassem a etiqueta para dentro da roupa, reestabelecendo assim a desejada
ordem cósmica. Fossem outras as convenções e quem tivesse tal louvável atitude
até receberia um belo sorriso de agradecimento, tão natural seria considerado
tal ato.
Mas não é! Em nosso ordenamento social, nenhum estranho,
e a maioria dos conhecidos tampouco, quase ninguém tem uma pré autorização para
tal ação. E azar para os que sofrem do TOC de não suportar ver essas
libertárias etiquetas em público. Que suem frio! Que sofram as agruras do
inferno! Que se desesperem frente à impossibilidade de agir! A sociedade
definitivamente não cuida bem dos obsessivos compulsivos e seus transtornos.
Quanto ao Thio, depois de muito sofrer em silêncio, muito
suor, frente a situações como as descritas acima, acabou se metendo em uma
homérica confusão quando não se segurou e, singelamente, recolocou uma etiqueta
inquieta para dentro da blusa de uma amiga. Mesmo argumentando que seus dedos
sequer tocaram a pele de suas costas, não houve jeito, perdeu a amiga e ganhou
a fama de abusado. Quem conhece o Thio sabe muito bem que não houve desrespeito
em tal atitude e muito menos qualquer conotação sexual poderia sequer ser
considerada. Mas foi sim mal interpretado pela amiga que nunca mais de dignou a
falar com ele, mesmo depois de seus mais sinceros pedidos de desculpas e
desprezando a interferência de amigos comuns.
Só depois dessa confusão é que o Thio procurou ajuda com
um psicólogo e anos de intensa terapia o levaram a encarar essas situações de
forma mais condizente com o ordenamento social negociado, e aceito, entre nós.
Dia outro porém, nem tanto tempo faz, o Thio chegou em
casa eufórico e demoramos muito a perceber o que de tão extraordinário tinha acontecido
a ele. Mas isso, eu conto na semana que vem, estou de saída agora e ainda tenho
que verificar se apaguei todas as luzes da casa...