quinta-feira, 31 de maio de 2018

Etiquetas - primeira parte


            Não há pessoas normais que não tenham a sua usual cota de TOCs. Há quem verifique inúmeras vezes se as luzes de casa estão apagadas antes de sair, assim como eu. Ou que voltem, depois de já ter entrado no shopping center, ao seu estacionamento para se certificarem que o carro está trancado, assim como eu. Ou mesmo que mantenha incontáveis backup, em igualmente incontáveis midias, de qualquer arquivo que tenha digitado. É o famoso vai que...
            TOC, TOC, TOC, há quem não os tenha?
            O do Thio Therezo, ou melhor um deles, é não suportar ver uma etiqueta prá fora da roupa, sua ou de outrem. Não essas etiquetas que, na moda, nasceram só para aparecer, e assim o fazem todas exibidas. As etiquetas que impacientam o Thio são aquelas, as inibidas, as discretas, que insistem em se mostrar por fora de camisetas, blusas, calças e, por vezes, cuecas e calcinhas.
            O pânico se instaura quando, ao ascender à escada rolante do Metrô, o Thio vê crescer à sua frente alguma moça de miniblusa e com a etiqueta do shorts aparecendo exultante, mirando-o em um desafio impossível de ser vencido. Ou na praia, martírio dos portadores desse TOC, com a multidão de sungas e biquinis desobedientes. Por conta de algum mecanismo ainda mal explicado cientificamente, o calor e as gotículas de suor, menores que sejam, potencializam esse transtorno levando os seus portadores a torturas mentais inimagináveis.
            Fossem outras as convenções sociais vigentes e nada de mal haveria, então, em permitir que outros, com um singelo movimento de dedos, recolocassem a etiqueta para dentro da roupa, reestabelecendo assim a desejada ordem cósmica. Fossem outras as convenções e quem tivesse tal louvável atitude até receberia um belo sorriso de agradecimento, tão natural seria considerado tal ato.
            Mas não é! Em nosso ordenamento social, nenhum estranho, e a maioria dos conhecidos tampouco, quase ninguém tem uma pré autorização para tal ação. E azar para os que sofrem do TOC de não suportar ver essas libertárias etiquetas em público. Que suem frio! Que sofram as agruras do inferno! Que se desesperem frente à impossibilidade de agir! A sociedade definitivamente não cuida bem dos obsessivos compulsivos e seus transtornos.
            Quanto ao Thio, depois de muito sofrer em silêncio, muito suor, frente a situações como as descritas acima, acabou se metendo em uma homérica confusão quando não se segurou e, singelamente, recolocou uma etiqueta inquieta para dentro da blusa de uma amiga. Mesmo argumentando que seus dedos sequer tocaram a pele de suas costas, não houve jeito, perdeu a amiga e ganhou a fama de abusado. Quem conhece o Thio sabe muito bem que não houve desrespeito em tal atitude e muito menos qualquer conotação sexual poderia sequer ser considerada. Mas foi sim mal interpretado pela amiga que nunca mais de dignou a falar com ele, mesmo depois de seus mais sinceros pedidos de desculpas e desprezando a interferência de amigos comuns.
            Só depois dessa confusão é que o Thio procurou ajuda com um psicólogo e anos de intensa terapia o levaram a encarar essas situações de forma mais condizente com o ordenamento social negociado, e aceito, entre nós.
            Dia outro porém, nem tanto tempo faz, o Thio chegou em casa eufórico e demoramos muito a perceber o que de tão extraordinário tinha acontecido a ele. Mas isso, eu conto na semana que vem, estou de saída agora e ainda tenho que verificar se apaguei todas as luzes da casa...

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