Semana passada, falei do TOC que
atormenta o Thio Therezo, o de não suportar ver etiquetas para fora das roupas.
Dizia que, dia outro, ele chegara em casa muito eufórico e falante e, como é
comum nessas horas, a sua fala refletiu muito mais a rapidez de seus
pensamentos que o ritmo normal de nosso entendimento. Nessas horas, é preciso
calma, melhor mesmo é deixá-lo falar atabalhoadamente até que os ritmos de
pensamento-fala-entendimento, dele e nossos, se harmonizem ao final.
Demoramos a perceber que ele tinha
encontrado o seu par, alguém que compreendia e muito suas necessidades quanto
àquele específico TOC. Juntando as peças do que pudemos entender a partir da
narração inicialmente caótica do Thio, soubemos então que ele estava em uma
imensa fila numa livraria quando tudo aconteceu (há de haver pessoas que hão de
achar isso pura ficção, visto que ninguém compra livros nesse pais, mas não, nem
tudo está perdido, por vezes há até fila em livraria...).
Pois bem, estava ele em uma imensa
fila numa livraria quando o seu olhar, inquieto, fixou-se sem mais nem menos em
uma etiqueta que timidamente se exibia pra fora da blusa da mulher à sua frente.
TOC, TOC, TOC, pânico!
Seguindo o sugerido pela ATOCA (a
famosa associação dos portadores anônimos de TOC) para esses torturantes
momentos, ele murmurou para si mesmo a usual reza e forçou o desvio de seu
olhar. O receituário é claro: como primeiro passo, deve-se desviar o olhar a
todo custo; não conseguindo, é preciso ignorar, mesmo suando frio; não
conseguindo sequer isso, o máximo, e isso em casos que beirem o pânio, cabe
dirigir-se à pessoa com a etiqueta pra fora e, singelamente, relatar o
ocorrido, torcendo para que essa atitude não seja mal interpretada.
Seguiu esse receituário passo a
passo. Por fim, muito gentilmente, como normalmente é de seu feitio, o Thio
alertou a mulher à sua frente sobre aquela singularidade em suas vestes. Para
sua surpresa, ela agradeceu e pediu-lhe que fosse ele a reestabelecer a ordem
ajeitando a etiqueta para dentro de sua blusa.
Surpreso, desnorteado e com o suor
frio a lavar o seu rosto, o Thio ainda perguntou-lhe se era isso mesmo que ela
queria, o que foi confirmado com um belo sorriso. Sem mais delongas, em um
singelo mas firme movimento, os dedos do Thio fizeram com que desaparecesse da
vista de todos a infratora etiqueta.
Mera impressão dele ou fato real, o
que aconteceu foi que, ao roçar levemente seu dedo na pele da ainda
desconhecida mulher à sua frente, o Thio percebeu um quase inaudível gemido
acompanhado de olhos fechados em uma prolongada piscadela. Sentiu ele também um
ligeiro tremor na voz quando ela agradeceu, ambos arrepiados e extasiados pela ímpar
experiência.
Seguiu-se um café, uma caminhada
pelo parque e logo estavam trocando confidências sobre os respectivos TOCs. Se
o dele era não suportar ver etiquetas para fora de roupas, o dela era quase um
fetiche, o de permitir que outros as recolocassem em seus devidos lugares.
Eles saíram algumas vezes, tiveram
seus momentos íntimos, mas o principal era quando eles se encontravam e ela,
displicentemente, deixava à mostra inúmeras etiquetas para delírio do Thio, e
dela também, que, com todo o cuidado do mundo, recolocava-as onde nunca
deveriam ter ousado sair. Uma a uma, sensualmente como bem aprendera com ela.
Era o ápice de seus encontros e
assim foi até que perceberam o inevitável, amor algum perdura baseado em um TOC
apenas. Sem desavenças, foram se afastando. Hoje, são amigos ainda, grandes
amigos aliás, e, por vezes, até têm suas
recaídas e se reencontram para demonstrações explícitas de seus transtornos.
Ora bolas, afinal um TOC é para ser
vivido em sua plenitude, sem complacência!
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