quinta-feira, 14 de junho de 2018

O dia em que lhe disseram que estava morto



            Existe certamente uma diferença significativa entre se saber, teoricamente falando, mortal e, em outro extremo, ouvir do médico que lhe encara com olhar sem emoção que você tem uma doença incurável que já está em fase terminal.
            “Mas... é certo ?” você ainda tenta uma confirmação, incrédulo que está, deixando transparecer aquela ingenuidade desesperadora tão natural nessas horas.
            “É certo !” e foi tudo que receberá de resposta, o médico agora preenche, concentrado em seus próprios pensamentos, as fichas necessárias, prescreve os remédios que lhe imporão uma rotina de preocupações e insana expectativa e se despede com um olhar distante de resignação.

solo así he de irme?
           
            Você sairá do consultório e, ainda na fase de espanto e negação, começará a sentir finalmente os sintomas que deveria estar sentindo há tempos, os exames médicos não mentem. Procurará uma velha amiga para chorar nos ombros.

cómo las flores que perecieron?
           
            Como, por defeito de fabricação, você é um daqueles caras inegavelmente seculares, converter-se, nesse momento, ao culto de um dos inúmeros deuses disponíveis estará definitivamente fora de cogitação. Mas talvez não o suficientemente secular para descartar a importância dos rituais.

nada quedará em mi nombre?
           
            É o momento de olhar para trás, é inevitável, quando não se tem futuro, só resta o passado. E aí, você se dá conta repentinamente de que não será eternizado em uma estátua ou em um nome de rua. E que, mais importante, não dá a mínima para isso.

nada de mi fama aqui em la tierra?
           
            E então você faz uma festa, enche a casa de amigos e flores, chama um DJ e bebem até aquele amanhecer que enche a todos de nostalgia e intimismo.

al menos flores, al menos cantos!
           
            Pronto ! Começou a civilização e criou-se a antropologia...


Mendoza, março de 2012
(Cantos de Hexotzingo)


[[conto publicado em meu livro "Contos&Vinténs", Editora A Girafa, 2012]]




No próximo dia 20 de junho, na sede da União Brasileira de Escritores em São Paulo (a partir das 19 horas), haverá o lançamento da antologia de contos "Contos de Amor de Dor" publicada pela Editora UBE. Essa antologia traz um conto meu chamado "Conspirações". Muito contente por ter sido selecionado.

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