Por que a própria experiência de vida por vezes perde para o preconceito? Por que, por vezes, a voz do outro se sobrepõe à sua própria?
Lembro de uma conversa que repetidas vezes tive com uma tia
minha, já falecida infelizmente. Ela participava, via a igreja que frequentava e
de forma bastante atuante, do gerenciamento de uma creche voltada às mães trabalhadoras
de uma comunidade. Trabalho voluntário e gratuito a quem necessitava utilizar
tal serviço. Naturalmente, essa creche vivia sempre necessitada de auxílio externo,
principalmente financeiro.
- Sabe qual foi o prefeito que mais nos auxiliou? – ela me
perguntou várias vezes mas, sem esperar resposta, continuava – foi uma
prefeita, foi a Erundina.
Dito, ela contava detalhes, explicava que a ajuda era
financeira, mas não só, era de apoio logístico, de treinamento. E seus olhos
brilhavam de saudades de um tempo em que ela viveu e sentiu na pele um apoio institucional
que nem antes, nem depois, a creche teve.
Estas conversas, as tínhamos normalmente às vésperas de
eleições e eu então perguntava a ela se seu voto iria para a Erundina.
- Não, não, ela é de esquerda... é do PT...
Talvez, em algumas das vezes, tivéssemos tido essa conversa
depois da Erundina já ter saído do PT, não importa, importa é que o medo prevalecia,
o medo tão cuidadosamente cultivado na classe média contra a tal esquerda, o medo
que se sobrepõe a tudo, até mesmo ao reconhecimento à própria experiência
pessoal.
Nunca a ouvi fazer críticas à atuação da Erundina como
prefeita, quando falava eram só elogios. A crítica era que Erundina era de
esquerda, mas se tentássemos entender a profundidade disso, nada vinha.
Minha tia morreu muito antes do golpe de 2016, não passou
pela intensificação dos ataques à esquerda, na massificação das ideias torpes
que levaram 57 milhões a votarem a favor do ódio e contra a solidariedade. Ela
já morreu e eu nunca consegui convencê-la a confiar mais na sua própria experiência,
a ouvir mais a sua própria voz e menos o que diziam os editoriais do Estadão ou
a fala mansa e repetitiva, mas também hipócrita, dos apresentadores dos jornais
noturnos.
Pena.
Não deu tempo para eu convencê-la de que a esperança
Erundina merecia voltar. E voltou, sim. Agora com Boulos.