quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A tia e a Erundina

           Por que a própria experiência de vida por vezes perde para o preconceito? Por que, por vezes, a voz do outro se sobrepõe à sua própria?

          Lembro de uma conversa que repetidas vezes tive com uma tia minha, já falecida infelizmente. Ela participava, via a igreja que frequentava e de forma bastante atuante, do gerenciamento de uma creche voltada às mães trabalhadoras de uma comunidade. Trabalho voluntário e gratuito a quem necessitava utilizar tal serviço. Naturalmente, essa creche vivia sempre necessitada de auxílio externo, principalmente financeiro.

          - Sabe qual foi o prefeito que mais nos auxiliou? – ela me perguntou várias vezes mas, sem esperar resposta, continuava – foi uma prefeita, foi a Erundina.

          Dito, ela contava detalhes, explicava que a ajuda era financeira, mas não só, era de apoio logístico, de treinamento. E seus olhos brilhavam de saudades de um tempo em que ela viveu e sentiu na pele um apoio institucional que nem antes, nem depois, a creche teve.

          Estas conversas, as tínhamos normalmente às vésperas de eleições e eu então perguntava a ela se seu voto iria para a Erundina.

          - Não, não, ela é de esquerda... é do PT...

          Talvez, em algumas das vezes, tivéssemos tido essa conversa depois da Erundina já ter saído do PT, não importa, importa é que o medo prevalecia, o medo tão cuidadosamente cultivado na classe média contra a tal esquerda, o medo que se sobrepõe a tudo, até mesmo ao reconhecimento à própria experiência pessoal.

          Nunca a ouvi fazer críticas à atuação da Erundina como prefeita, quando falava eram só elogios. A crítica era que Erundina era de esquerda, mas se tentássemos entender a profundidade disso, nada vinha.

          Minha tia morreu muito antes do golpe de 2016, não passou pela intensificação dos ataques à esquerda, na massificação das ideias torpes que levaram 57 milhões a votarem a favor do ódio e contra a solidariedade. Ela já morreu e eu nunca consegui convencê-la a confiar mais na sua própria experiência, a ouvir mais a sua própria voz e menos o que diziam os editoriais do Estadão ou a fala mansa e repetitiva, mas também hipócrita, dos apresentadores dos jornais noturnos.

          Pena.

          Não deu tempo para eu convencê-la de que a esperança Erundina merecia voltar. E voltou, sim. Agora com Boulos.




quinta-feira, 19 de novembro de 2020

outras aldravias

 

meus

escritos

baseados

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fatos

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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Que venha!

           Na vizinha República de Hygina haverá eleições no próximo final de semana. Tal e qual aqui, eles adoram nos copiar. Copiam no confuso (para não dizer outra coisa) ordenamento jurídico, copiam nas mazelas eleitorais, copiam até nas urnas eletrônicas.

          Sim, há tempos eles também se utilizam das tais invioláveis urnas eletrônicas e se vangloriam que, com elas, não há fraudes. Aliás, como se verificar se há algo errado se não é possível se recontar os votos caso isso fosse necessário? E nunca é, e não se fala mais nisso.

          Mas, esse ano, o Maioral Tribunal Eleitoral (MTE) da República de Hygina irá testar, em algumas poucas e bem escolhidas seções, um sistema de votação via celular. Modernidade é tudo, mano, deslumbramento também. Claro que, como nada valerá de fato, o teste será extremamente bem sucedido e todos os maiorais irão se vangloriar disso.

Mas o verdadeiro pulo do gato do MTE está reservado para as próximas eleições. Se eliminando as urnas eletrônicas e fazendo com que as pessoas votem a partir do próprio celular o custo se reduz bastante, imagina esse próximo passo que não dependerá de centenas de milhares de equipamentos ou de algum sofisticado sistema de segurança. Muito menos, o melhor para eles é isso, dependerá da participação direta dos eleitores, grande sonho de consumo dos hygienistas da República de Hygina. Nada de abraços no povo, ou de pasteis de feira ou cafés requentados (imagina então buchada de bode para o candidato que diz ter um pezinho na cozinha, puro sofrimento...)

Assim funcionará. Algoritmos, a partir das informações coletadas diretamente em redes sociais ao longo de meses, irão traçar os perfis dos eleitores e, com isso bem estabelecido, escolherão, em seus nomes, os candidatos mais apropriados a cada um. Um veloz computador poderá resolver esse problema em poucos minutos poupando a todos, eleitores e eleitos, o imenso trabalho que as eleições atuais embutem. Nada de propaganda televisiva, de impressos, de marqueteiros, de grupos de trabalho para a eterna repetição de propostas, de tentativas de convencimento. Pouparão, também, os olhares de besta de candidatos que, frente à televisão, já se sentiam eleitos mas perceberam que o resultado fora outro. Como efeito colateral, pode-se até dizer que somos a maior democracia do mundo e onde a abstenção na votação é nula.

Há detalhes, claro, a serem acertados, um deles sendo que Inteligências Artificiais não conseguem perceber ironias, o que pode distorcer um pouco a construção dos perfis. Mas nada que (mais) uma reforma na legislação não resolva. Uma PEC, por exemplo, proibindo as ironias nas redes sociais. Teria o irrestrito apoio do Zuck.

Que venha o futuro! Mas que venha gentil com os não deslumbrados...

 

PS - Seria engraçado, trágico não fosse. Dois anos atrás, um grande jornal de São Paulo fez algo do tipo. A partir das respostas a um questionário online, o jornal traçava o perfil do eleitor e indicava em qual candidato ele deveria votar para deputado. Qual tenha sido o resultado, o fato é que não repetiram a experiência dessa vez. Talvez estejam aperfeiçoando as perguntas...


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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Imagens da Quarentena - II

 




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