Hoje é quinta-feira e, por que é quinta, é um excelente dia para se inaugurar um blog literário. Quero dividir aqui meus escritos e pretendo, a cada semana, postar algo diferente. Pode até ser um conto antigo que tenha aparecido em algum dos meus livros esgotados ou algo recém saído do forno, um vintém curtinho ou um conto mais longo, uma crônica ou algo que não seja nada disso, mas afim a todos eles...
Começo com um texto que escrevi para a revista Espaço Aberto (USP) em 2013, onde comento um pouco sobre os meus dois ofícios.
Espero que gostem e, se for o caso, comentem, divulguem e compartilhem o material aqui postado.
Boa leitura!
O difícil ofício
No meio de uma conversa descontraída, um colega matemático me aconselhou certa vez a abandonar a matemática e me dedicar à literatura. Tenho a certeza de que haverá críticos literários que me aconselhariam a não me meter na literatura e me concentrar na matemática. Enquanto não há consenso, eu tento fazer os dois: matemática, que é a minha profissão, e literatura, que é o que me completa emocional e intelectualmente.
Mas, na realidade, não há muita diferença entre se fazer matemática e escrever, pois, em ambos, o importante é ter uma ideia e desenvolvê-la, o resto são tecnicalidades próprias de cada área, simples assim... Brincadeiras à parte, não creio que sejam atividades assim tão distintas.
O curioso é que muitas ideias para contos surgiram exatamente nos momentos em que mais estava envolvido com a minha atividade matemática e, em uma interessante simetria, trabalho melhor com matemática quando estou também envolvido no lento processo de finalização de algum conto. Lembro-me de vários contos que surgiram durante viagens de trabalho, ou no meio de congressos científicos. Normalmente, nesses momentos, só tenho o tempo de anotar as ideias em um bloquinho, se há algum por perto, ou até mesmo em um guardanapo para depois, algum dia, com calma, poder trabalhar nelas. Às vezes, a inspiração vem tão forte que, mesmo estando no meio de uma palestra, o melhor a fazer é mesmo se concentrar no desenvolvimento de uma ideia, quer seja ela matemática quer seja literária.
Uma colega uma vez me disse, após ler o meu livro Contos que conto, que minhas histórias eram muito matemáticas, talvez se referindo às suas estruturações internas. Sei lá se concordo com isso, visto que apesar de alguns deles terem nomes que possam remeter à matemática, como Conto, O algebrista, O ponto de Euclides, Simetria ou O entusiasta do sistema decimal, nada neles foi escrito pensando-se em matemática. O conto O algebrista (do meu livro Gambiarra e outros paliativos emocionais) nada tem a ver com essa especialidade e, sim, com um significado já fora de uso dessa palavra: um algebrista, antigamente, era um especialista em consertar ossos. Por sua vez, o mote para O entusiasta do sistema decimal veio de uma frase de Jorge Luis Borges sobre a sua mãe que morrera aos 99 anos.
O meu primeiro conto, Postal, por outro lado, tem como tema a rotina de um aposentado e leva a um comportamento cíclico (que muito tem a ver com certas estruturas matemáticas) de seu dia a dia e que é a base para todo o texto.
Na realidade, não penso muito nas relações entre essas minhas duas atividades, seria teorizar demasiadamente algo que, acredito, é bastante natural. Ah, há outra semelhança entre fazer matemática e escrever, para mim (ao menos para mim): é que nunca estou totalmente satisfeito com os resultados conseguidos.
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Esse texto foi publicado inicialmente na revista Espaço Aberto (Universidade de São Paulo), número 147 em março de 2013: "O difícil ofício"
Parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluirObrigado, Marcia!!!
ExcluirOi Flávio, só consegui acessar seu blog hoje. Gostei da iniciativa. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado!
ResponderExcluirOi Flávio - estranho comentar um post de tantos anos - mas gosto muito da idéia que escritos são perenes e que um blog dá a possibilidade de anular o tempo. Recebi um e-mail seu sobre QuintasFeiras. Devo ter recebido outros, mas este caiu na rede - e eu fui olhar. Uma coisa puxa a outra e resolvi chegar ao início da questão. Que delícia ver o mundo fluindo em palavras e em números - em questões do aqui e agora e também do agora - agorinha e um pouco depois.
ResponderExcluirVc é matemático e eu trabalho no mundo do tempo biológico, mas meu objeto principal de estudo é entender porque é tão importante parar o tempo para manter a vida. Saindo deste cotidiano biológico, é legal voltar no tempo.
Curtindo a leitura.
Regina, muito obrigado por suas palavras. Também gosto de revisitar antigos escritos, lembranças, voltar no tempo. Espero que goste desses meus escritos (que tem um pouco de cada coisa: contos, crônicas e recreações...). Abs
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