quinta-feira, 21 de maio de 2015

Rádio Colo-Colo


Rádio Colo-Colo



Há os que são Barcelona e há os que são Madrid, os que gostam de Paris e os que preferem Londres. Há os Berlim e os Munique, Buenos Aires ou Cidade do México... há de tudo e pelas mais misteriosas razões.

A minha lista é longa, mas há uma cidade, pelos motivos que descrevo abaixo, da qual sempre me lembro: Santiago do Chile. Não diria que é a minha predileta (qual seria?), mas ela me traz um sentimento difícil de se descrever. 

Era um julho daquele longínquo final da década de 70, e estávamos, um bando de mochileiros, com a estranha intenção de, a partir de São Paulo, chegar a Machu Pichu. Saindo da Estação da Luz, iríamos cruzar todo o Pantanal, ingressar na Bolívia, o chamado trem da morte, cruzá-la toda até o Peru, ponto final da aventura. E voltar pelo mesmo caminho. Éramos três saindo de São Paulo e logo, em Campinas, se juntaram mais quatro... Idas e vindas, o grupo crescia ou diminuía a cada estação ou cidade (em uma noite, éramos treze procurando hospedagem, dormindo todos apertados em um quarto coletivo).

Mas vamos ao final. Acontece que, no dia 17 de julho, lembro bem da data, metade de nós estávamos (a essa altura, o grupo de São Paulo e Campinas) já entrando no Peru, quando estoura um golpe militar na Bolívia e as fronteiras se fecharam, deixando muitos para trás. Por sua vez, os planos de volta teriam que ser revistos e, depois de Machu Pichu, a turma se dispersou. Alguns voltaram ao Brasil pelo Amazonas, outros, como eu, decidiram ir para o Chile e, de lá, um luxo imprevisto, voltar ao Brasil de avião. 

Lembro de Arica, norte do Chile, onde passei um dia inventando um cais, lembro da viagem de ônibus pelo deserto, e lembro chegando a Santiago sozinho, cansado, já de noite. E lembro de um endereço onde buscar pousada, mas impossível àquela hora, e lembro de já estar sem dinheiro e lembro da sugestão do motorista do ônibus: ir até a esquina, à Rádio Colo-Colo, pedir ajuda. Lembro de um anúncio indo ao ar avisando sobre um estudante brasileiro que precisava de um lugar para dormir aquela noite, lembro de esperar, incrédulo, no banco do corredor da rádio e de ser avisado de que, lá, não poderia passar a noite. E, lembro bem, de alguém que veio socorrer. Pude dormir, naquela primeira noite de Santiago, em um sofá confortável na casa de um casal desconhecido...

Já era o regime militar, lá e cá, já toda aquela violência institucional conhecida, mas nunca me senti tão aconchegado pelo povo local de uma cidade como naquela noite em que a Rádio Colo-Colo me conseguiu um sofá para dormir.


[São Paulo, março de 2K13]

Nenhum comentário:

Postar um comentário