Era um voo curto entre Leon, no México, e Houston, nos EUA, em um aviãozinho Embraer EMB-145 com três assentos por fileira e eu estava no assento isolado, sem vizinhos para atrapalhar minhas leituras ou o tão necessário sono, que tinha sido uma semana cansativa.
Só que minha poltrona não ficava na tal famosa “upright position” aparentemente tão importante para pousos e decolagens.
Naquela checagem final antes de levantarmos voo, a aeromoça, uma abuelita mexicana de cara enfezada, passou por mim e mandou-me colocar o assento nessa tal posição. Eu disse a ela que não conseguia, que estava quebrada e ela até que tentou também forçar o assento e, ao final, desistiu, não sem antes me lançar um daqueles olhares de profunda censura.
Hora e meia depois, na preparação para o pouso, lá vem a abuelita de novo.
“Senhor”, ela disse, ”você precisa colocar a poltrona na posição vertical”. Olhou-me desafiadoramente. Já estávamos em espaço aéreo texano e isso deve ter despertado nela o seu mais profundo instinto de duelar. Eu voltei a afirmar que a poltrona estava quebrada e até mostrei minha dificuldade em fazê-la ficar na posição que ela tanto queria.
E aí, aí vem a frase chave desse pessoal, a que te joga contra a parede e te deixa na defensiva, sem sequer possibilitar resposta alguma racional...
“Senhor, é para a sua própria segurança!”
Escutei isso, já intimidado e como se fosse a minha culpa, como se eu tivesse optado por viver na insegurança eterna... Mas sei, é para a minha própria segurança, assim como ser apalpado por mãos rudes antes de embarcar, ou ser revistado ou ter que tirar o sapato sem nenhuma explicação coerente. Para minha própria segurança, o Obama ter acesso a todas as minhas senhas bancárias...
Tenho meus sonhos, e um deles é poder usar essa frase chave, definitiva, para se resolver, a meu favor, algum questionamento. Parece que inibe quem a ouve, transfere responsabilidades, te joga indubitavelmente na defensiva.
Mas epa! Se é para a minha própria segurança e a companhia aérea não me permite tê-la, visto que não fui eu que quebrei a poltrona, quer dizer que a companhia não se importa a mínima com a minha segurança. Sim, um bom advogado e eu posso ser indenizado em milhões de dólares por conta de uma companhia que não preza pela segurança de seus passageiros. Talvez até uma indenização moral por preconceito contra pessoas, digamos assim, um pouquinho acima do peso. Foi constrangedor receber o olhar raivoso da abuelita que, naquele momento, representava sim toda a companhia aérea.
Olho no olho com a abuelita, ambos prontos para sacarmos nossas armas, era nisso que eu pensava. Ela olhou de lado e acho que adoraria poder encontrar um assento vazio para me alocar ali, seria sua vitória final, inquestionável. Mas, peraí, o voo estava cheio!
Não, entrar em uma discussão com a abuelita sobre responsabilidade de segurança de passageiros não estava em meus planos e, além do mais, o livro estava tão interessante... Alternativas? Sorrir ou ignorar.
Sorri.
E ela, inesperadamente, talvez se lembrando agora dos netinhos que a esperavam em casa, também sorriu e duelo não houve.
Ao desembarcar, todos em segurança, troquei com a abuelita um amistoso, quiçá até carinhoso, boa tarde... Retribuiu-me com um largo sorriso. Latinos somos...
Visão (não muito exagerada) da terceirização...
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