quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Improbidades

 

           Em uma aula de cálculo de integrais para iniciantes é possível que se gaste um bocado de gizes. Isso porque sempre é bom se escrever na lousa todos os detalhes, os passos intermediários, a explicitação das técnicas. Por vezes, até a alta tecnologia, giz colorido, é necessária nesse processo de transferência de conhecimento.
            Ao par das usuais dificuldades didáticas que normalmente se tem nessas horas, e quem ensina sabe-as todas, há uma que foge ao controle do indivíduo que conduz o giz. Falo da qualidade do mesmo, o “mesmo” referindo-se, aqui, ao giz e não ao indivíduo.
            Em uma simples integral, como a do produto da função seno pela exponencial, o giz, comprado em um edital de tomada de preços e totalmente de acordo com a lei 8666 (do pré-histórico ano de 1993), quebra-se rapidamente em inúmeros pedaços inutilizáveis, esfarela-se todo com a umidade desses dias paulistanos e, há de convir, tudo isso só faz acrescentar, pela descontinuidade imposta por esses inconvenientes eventos, mais e mais dificuldades, extras e, em um mundo ideal, certamente desnecessárias.
            Não há dúvidas. A péssima qualidade do giz só faz distrair, por conta de suas inerentes qualidades de quebrabilidades e esfarelhamentos, a atenção de todos os envolvidos nesse processo de transmissão de conhecimentos, aqui referindo-se especificamente ao de cálculo de integrais (mas o mesmo argumento pode ser utilizado em outras análogas situações).
            O giz se quebra em inúmeros pedaços, se esfarela, e o exemplo que duraria, digamos, um quarto de giz de boa qualidade se tanto, perdura pela eternidade de quatro ou cinco gizes de péssima qualidade.
            Mas qual-o-quê, o edital de compra cumpre todas as normas constitucionais desse nosso país em que moramos e o seu preço unitário é o menor dentre todos os possíveis e imagináveis. E tanto faz que um quarto de giz de boa qualidade saia mais barato que os quatro ou cinco, quebradiços e esfarelhentos, necessários para o cálculo da mesma integral.
            Há um estudo, que virou uma tese de doutorado, devidamente financiada pelo CNPq, que compara, sob as mesmas condições de temperatura e pressão e equalidades didáticas, o quanto se gastaria em giz, a longo prazo, em duas situações: com o de melhor qualidade e com o de menor preço. A economia global no primeiro caso, em uma universidade pública, e é disso que estamos falando aqui, seria o suficiente para, depois de alguns anos, a contratação de um docente, ou a compra de um novo sistema de ar condicionado para a seção de licitação e compras, o que fosse mais útil para o administrador de plantão naquele momento.
            Comentei isso, outro dia, em uma roda de conversa, na ingênua expectativa de arregimentar adeptos à minha ingrata cruzada por melhores gizes. Quase que imediatamente alguém comentou com um olhar estranho e ego superior:
            - ... mas você ainda usa giz para dar aula? Mas que coisa mais ultrapassada...
            Olhei ao redor e não senti muita empatia pela minha situação. Mudei então rapidamente de assunto, antes que alguém sugerisse a abertura de uma sindicância administrativa visando investigar os meus métodos didáticos (e ainda bem que eu nem mencionei que adoto livros-textos para a leitura dos alunos e que proíbo a utilização de calculadoras...). 
            Só espero que isso não seja um sinal para eu me aposentar...

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