Estamos nos
enganando nesta cidade. Cada vez que saio para dar uma volta por estas ruelas
cinzentas e fétidas sei que na realidade estou apenas dando uma pausa para a
nossa vida, para o absurdo quotidiano daquele apartamento de 30 metros quadrados
e carros passando à altura de nossas janelas.
Você não sai, diz que lhe dá nos nervos ver todo o cinza da vizinhança,
o lixo, os crimes, sentir o fedor e morrer atropelada. Digo que vou sair e você retruca que morrer
atropelado é a pior das mortes, é o símbolo supremo de que algo deu errado em
nossa civilização e segue falando. E
digo que só vou dar uma volta, e nos aborrecemos mutuamente.
E eu saio e
você seguirá assistindo a sua televisão.
Nos velhos tempos, eu ainda lhe provocaria dizendo que você vai morrer
de câncer, tamanha a radiação que recebe da televisão e receberia como resposta
que é muito mais digno morrer desta forma que ... E seguiríamos discutindo sobre a melhor
maneira de morrer e por horas criaríamos várias teorias sobre as várias coisas,
por isso gostávamos tanto um do outro.
Naqueles tempos ainda exercitávamos nossas mentes neste jogo
estúpido. Mas hoje não. Hoje eu saio e você segue assistindo a sua
televisão. Ambos já meio surdos devido
àquele zumbido irritante e constante em nossa vida por conta destes carros
todos que passam à altura de nossas janelas.
Definitivamente, estamos nos enganando nesta cidade. Saio, mas logo
estarei de volta.
[[Em meu livro de contos Gambiarra e outros paliativos emocionais (publicado em 2007 pela Editora Arte Pau Brasil) há quatro versões do conto Minhocão. Essa é a primeira.]]
[[Em meu livro de contos Gambiarra e outros paliativos emocionais (publicado em 2007 pela Editora Arte Pau Brasil) há quatro versões do conto Minhocão. Essa é a primeira.]]
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