Algumas pessoas me escreveram preocupadas com o Thio
Therezo, sobre como ele foi enrolado naquela história de embriaguez genética e
foi, sem o querer, usado para livrar a cara de um sujeito que em qualquer lugar
que não a República de Hygina teria sido considerado muito culpado. Mas, isso é
mais do que comum naquela república...
A bem da verdade, o Thio tentou, mesmo após o veredito do
juiz, reestabelecer a verdade de seus sérios estudos. Mas foi impedido, pois em
Hygina, só pode falar sobre questões legais quem tem o título reconhecido pela
OAH (Ordem dos Advogados de Hygina) e, mesmo assim, há estritas limitações a
respeito dos assuntos a serem tratados por cada um dos autorizados, pois a OAH
rankeia os seus associados e só os da categoria máxima, os supremos, é que
podem opinar sobre quaisquer questões que escolham, por exemplo. E nem precisam
ser respeitosos ou educados em suas manifestações, mas isso é assunto de outra
natureza.
O Thio, por sua vez, não tem seus títulos reconhecidos na
República de Hygina, nenhum deles, nem mesmo algum dos inúmeros títulos de doutor honoris causa que ele acumulou
mundão afora. Rara a universidade dos top 100 que não concedeu a ele um desses
títulos.
Mas, em Hygina, o processo de reconhecimento é bem
específico. A Constituição da República prevê que só a OAH pode autorizar
alguém, cidadão ou estrangeiro, a falar sobre assuntos jurídicos internos, sob
penas que vâo desde uma mera desqualificação pública até o esquartejamento
seletivo, passando por multas altíssimas.
Nessa direção, a OAH, tendo em mente o seu espírito
republicano e a singular democracia que cerca a todos os seus habitantes,
estabeleceu que qualquer cidadão pode entrar com um requerimento solicitando
uma concessão de livre palavra. Feito
o pedido, a OAH, então, por meio de sua Comissão
de Ética e Assuntos Correlatos, analisa-o em todos os seus aspectos legais
e morais, deferindo-o ou não. A lei é clara: se essa comissão não emitir um
parecer em 60 dias, o pedido é deferido automaticamente. Tal salvaguarda existe
para não permitir que abusos aconteçam, os hygienistas são muito sérios a
respeito disso. No entanto, o conselho de supremos da OAH permite, a partir de
uma justificativa detalhada, prorrogar de forma absolutamente extraordinária,
esse prazo.
Consta que o pedido do Thio Therezo deu entrada na OAH
cerca de 17 anos atrás.
Mas o ponto por trás disso, na realidade, é que o Thio
escreveu um dia um tratado sobre a Constituição da República de Hygina.
Primeiro texto escrito sob a égide da filosofia hygienista, essa constituição
trouxe pérolas de fazer inveja aos inúmeros reinos que a cercavam, em vista de
sua dubiedade. E, é claro, o Thio não perdeu a oportunidade de fazer um estudo
acadêmico, em dois volumes, que versou não só sobre essa filosofia propriamente
dita como também sobre como ela se refletiu no arcabouço buro-legislativo da
famosa República.
Nada mais apropriado para se entender isso que mencionar uma
significativa frase constante na obra magna do mentor supremo da filosofia hygienista.
Nessa monumental obra do pensamento humano (que traz o enigmático título de Manual de Sobrevivência), ele estabeleceu
que “... os fazedores de leis devem se preocupar primariamente com dois
aspectos: garantir o pleno emprego aos interpretadores da legislação e a ampla
e inquestionável liberdade aos aplicadores da mesma...” Só assim, ele garantia,
a paz, a pureza de espírito e as mãos limpas poderiam prevalecer na justa e
harmoniosa sociedade em que viviam.
Para a alegria dos pareceristas jurídicos, essa
Constituição seguiu à risca os elevados ensinamentos do mentor supremo e, nela,
abundam múltiplas e dúbias interpretações nas entrelinhas e nas entreletras.
Nesse arcabouço de milhares de páginas, nem o ponto é um ponto realmente,
quanto mais as vírgulas, essas sempre tem uma conveniente interpretação a
depender dos envolvidos e do momento.
Diga-se de passagem que foi por conta desse estudo feito
pelo Thio, que ganhou uma merecida repercussão internacional e pelo qual a ele
foram concedidos a maior parte de seus títulos de honoris causa em Direito, que foi editada, em caráter de urgência,
uma PEC criando a OAH e dando-lhe as atribuições acima mencionadas.
O Thio, por vezes, olha em direção à Hygina de nossa
varanda e fica pensativo. Mas, discreto como ele é, não nos permite
compartilhar suas inquietações desses momentos.
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