No dia 14 de
maio, cinco anos atrás, eu inaugurava esse meu blog com a perspectiva de,
talvez, escrevê-lo por um par de anos. O meu receio era não ter assunto para
postar todas as semanas e essa era a única regra autoimposta: um texto semanal,
sempre às quintas-feiras. Não importava se fosse conto, novo ou já publicado,
crônica, poesia ou recreação, o que importava era não deixar as quintas-feiras
passarem em branco. E não é que consegui chegar ao quinto ano sem falhar uma
semana? Essa é a 262ª postagem no blog.
Claro que,
para comemorar, nada melhor que um bolo e, nesses tempos de quarentena e de
lembranças (há algo melhor para incentivar a memória que esse isolamento
imposto?), acabei atazanado com uma receita que o Thio Therezo me ensinou
quando eu ainda era uma criança. Um bolo simples de cenoura mas que traz
consigo muita lembrança e história.
O Thio, talvez
nem seja preciso relembrar, é um chef internacionalmente conceituado, com inúmeros
prêmios e livros publicados. Ele é o único chef a receber quatro estrelas em
toda a vida do Guia Michelin, mas isso é outra história que conto em uma outra
oportunidade. O que queria contar hoje se passou quando ele, apesar da reconhecida
competência, ainda não era o famoso cozinheiro que todos admiramos.
Lembro bem
do dia em que o Thio me chamou à cozinha para mostrar como fazer o seu, e agora
também meu, bolo predileto. Eu era então pequeno, já gordinho mas pequeno. A
cozinha nunca me foi um lugar estranho, pois eu me vejo desde sempre ajudando a
mamãe em suas famosas receitas. Talvez ajudando fosse a palavra com que
eu descrevo isso agora, mas mamãe deve ter pensado muitas vezes na palavra atrapalhando.
Lembro por exemplo, quando mais crescido, que a cada dois ou três pastéis que
eu fritava, um era devorado tão logo saia da frigideira. Nessas horas, mamãe me
olhava meio que me censurando meio que aceitando a travessura de um de seus
quatro filhos prediletos. Mas como resistir àqueles pasteis de carne e de
queijo que ela fazia?
Pois bem,
quando o Thio me ensinou a receita do bolo de cenoura, eu ainda não tinha idade
para fritar pastéis e foi mais uma diversão que qualquer outra coisa. Ele
descascou quatro cenouras e picou em pedaços que foram para o liquidificador
junto a quatro ovos e uma xícara de óleo. Thio Therezo insistia em abrir ovo a
ovo em uma tigela separada antes de jogá-lo no copo do liquidificador, é
que se um estiver estragado, não se perde o resto dos produtos, ele
justificava.
Devido à minha pouca idade, minha função naquele dia foi o de pilotar o liquidificador.
Foi o que fiz até essa mistura cenoura/ovos/óleo ficar bem triturada. A ela
foram então adicionadas duas xícaras de açúcar, duas de farinha de trigo,
uma colher de fermento em pó e, claro, uma pitada de sal.
- Sabe,
garoto, as duas medidas mais precisas da culinária são “uma pitada” e “a
gosto”. As outras são meras referências – o Thio me dizia isso com o seu famoso
sorriso irônico no rosto enquanto eu continuava a pilotar o liquidificador por
mais um tempo. Fora essa essencial ajuda, eu prestava muita atenção nas
palavras do Thio para tentar assimilar um pouco daquela sabedoria toda, tão
inocente eu era naquela idade.
Tudo
misturado, os ingredientes viravam ao final uma massa que foi ao forno
médio pelo tempo suficiente até passar no teste do palito. Enquanto
esperávamos, uma crucial decisão nos atormentava. Qual cobertura fazer? Uma de
chocolate ou a de limão? Enquanto a dúvida nos destruía por dentro, o Thio me
ensinou a fazer uma e outra. Para a primeira, duzentos gramas de chocolate
amargo derretidos em banho maria e acrescidos de duzentos ml de creme de leite
(uma das caixinhas atuais). Misture bem ainda no banho maria até virar um creme
homogêneo e, então, levar à geladeira. Essa cobertura tem que estar fria na
hora de se colocar no topo do bolo, também frio.
Diferente da
outra cobertura, que tem que ser colocada com o bolo ainda quente para que, com
o choque térmico, o açúcar endureça. Ingredientes? Um copo de açúcar, meio
limão e umas quatro colheres de leite.
- Mas Thio,
assim talha! – olha eu, ainda pequeno, tentando mostrar sabedoria...
- Talha sim,
garoto, mas fica muito gostoso!
Naquele
primeiro dia, optamos pela cobertura de limão e hoje, para o quinquênio, o Thio
e eu fizemos o bolo de cenoura com a cobertura de chocolate. Acho até que já aprendi
direito a receita, mesmo não a fazendo tão frequentemente.
Enquanto
esperávamos o bolo assar, fizemos a mistura para a cobertura. Notei que o
tal copo de açúcar não era bem um copo, foi bem mais, e o leite foi colocado
meio que no improviso. O Thio percebeu o meu olhar de estranheza e disse.
- Olha,
garoto, culinária não é uma ciência exata. Culinária é que nem Direito, a gente
tem a receita, ou a lei, mas não precisa segui-la exatamente, o comum é
interpretar de acordo com o gosto e a conveniência do momento.
O Thio
sempre aproveitando para me ensinar coisas. Aliás, essa expressão tal coisa
não é uma ciência exata eu tanto escutei no meu dia a dia que até hoje tenho
dificuldades em encontrar tal ciência. Até parece uma ciência que não serve
para nada, tão desqualificada ela é por essa expressão e pelas pessoas. Em todo
o caso, quando olhei para o Thio naquele dia ele sorria da ironia feita e que
eu só consegui perceber muito tempo depois.
O que
importa, nesses tempos duros de pandemias virais e vermiculares, é que um
quinquênio já se foi desde que inaugurei meu blog e isso merece uma comemoração.
Se irei completar um segundo quinquênio? Só o tempo dirá, mas hoje o que
importa é o bolo de cenoura que fizemos, Thio Therezo e eu, para essa
celebração.
Servidos?
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