quinta-feira, 28 de maio de 2020

A culpa é da Isildinha... parte I


Já mencionei aqui que o Thio Therezo não se dava muito bem com o fake hair, que é o apelido dado àquele juiz de primeira instância com cabeluda peruca que costumava frequentar o bar onde sua turma se reunia vez ou outra. Muito desse distanciamento entre eles se dava por conta das decisões que o juiz tinha tomado e que, no entender do Thio, eram muito parciais. Que o juiz tenha lá suas convicções políticas, tudo bem, mas manipular a lei por conta delas, isso é grave, resmungou uma vez o Thio sobre o fake hair.
Mas nem sempre foi assim. Houve uma época em que o fakinho, que era um dos apelidos que o Thio usava para o juiz, o procurava para tirar algumas dúvidas jurídicas. Isso sempre a boca pequena pois ele não queria ser ridicularizado pelos amigos em comum. Afinal, ele precisava manter a sua autoridade a todo custo. O Thio, muitas vezes a contragosto por conta de se sentir traído frequentemente pelo fakinho, deu-lhe muitas aulas e dicas jurídicas. Tentava assim influenciar, de forma positiva, o juiz em suas decisões. O Direito não é uma ciência exata, mas há limites para a livre interpretação...
Teve um dia em que o fake procurou o Thio e a conversa começou meio estranha.
- Sabe, Thio, a culpa é toda da Isildinha...
O Thio, que tinha levado o copo de cerveja à boca, parou e ficou olhando-o sem entender. A clareza não era o forte do fake hair mas, dando corda à conversa, talvez até ela tenha sentido mais para a frente.
- Culpa da Isildinha?
- Sim, Thio, deixa eu contar. A Isildinha era uma vizinha minha que assim que conheci fiquei apaixonado, sabe como são essas coisas, né? ela era uma graça de pessoa, culta, meio hippiezinha demais para o meu gosto, mas sabe como é, né? Paixão é paixão!
          O Thio olhava para ele sem entender muito o porquê de terem marcado aquele happy hour e ainda mais em um bar longe do que costumavam frequentar com o resto da turma. Que papo é esse de paixão e que raios eu tenho a ver com essa tal de Isildinha? Ainda mais se ela é a culpada, mas culpada de que, ora bolas? O Thio já se enervava com tantas dúvidas.
          - Sabe como isso começou?
          Não, o Thio não queria saber. E já estava ficando impaciente. É certo que o seu extenso trabalho realizado na área de aconselhamentos emocionais mais do que o credenciava a ajudar os amigos de forma efetiva em questões amorosas como bem parecia ser o caso. Mas, na realidade, não queria, nunca quis aliás, atuar na linha de frente desses problemas, odiava mimimis e trelelés. O que ele gostava era do trabalho mais acadêmico, o de aconselhamento genérico digamos assim. No entanto, não teve jeito (nem com j nem com g...), o fakinho foi falando e contando seus arroubos amorosos com a vizinha e como gastava cada vez mais tempo junto a ela. Até um dia em que foram assistir a uma palestra sobre “Desejos quânticos e suas influências nos sentimentos mundanos” ministrado por uma das tais sumidades da autoajuda.
          - Muito interessante, sabe, Thio, gostei muito da palestra apesar de não ter entendido direito o que o paradigma quântico tem a ver com desejos. Não importa, eu fiquei excitado só de ouvir falar em desejos ao lado da Isildinha. E ela também parecia ter apreciado isso. Você precisava vê-la, Thio, quando o palestrante chegou ao clímax de sua fala. Ela fechou os olhos e parecia até levitar... foi aí que senti uma vontade de beijá-la, um algo que me queimava as entranhas, que superava qualquer baboseira quântica que me mostrassem naquele momento! Parecia até que ambos levitávamos em harmonia naquele momento sublime!
          O Thio sorveu mais um gole de cerveja, pouco se interessou por essa ideia de desejos quânticos quando tal conceito entrou em moda anos atrás e não seria agora que isso iria lhe interessar. Resolveu então procurar alguma distração mental quando o fake hair falou:
          - ... e aí eu chego ao ponto que queria discutir contigo...
          Levitação, foi o que ocorreu ao Thio. O que ele gostaria de saber sobre levitação? Um apanhado histórico até poderia ser, visto que o Thio tinha escrito algo do gênero tantos anos atrás... No entanto, sobre levitação quântica, isso ele não tinha a mínima ideia do que poderia ser. O Thio esperou ansioso pelo que sairia da boca de seu amigo juiz.


[[ a segunda e última parte dessa história será publicada na próxima semana ]]

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