quinta-feira, 4 de junho de 2020

A culpa é da Isildinha... parte II

[[ a primeira parte dessa história foi publicada na semana passada ]]



          - Sabe, Thio, acontece que justamente no dia dessa palestra sobre desejos quânticos eu tinha uma aula na faculdade.
          - A da esquina?
          - Pô, Thio, fala assim não, que você sabe que ela é conceituada.
          - Que seja. Continua...
          - Então, era uma aula sobre Provas, eu a perdi e desde então não consigo entender direito esse conceito. O que são Provas afinal? O que eu posso aceitar como Prova em um processo judicial? Como se prova uma culpa? Daí aparece uma tal de Produção de Provas. Quer dizer que eu posso produzir eu mesmo uma prova? Fico confuso, tantos detalhes...
          O Thio olhava estupefato ao juiz. Então era isso? O seu amigo juiz tinha dificuldades em entender o que era uma prova jurídica. É claro que o Thio já tinha desconfiado disso em vista das famosas decisões tomadas pelo fake hair ao longo dos anos. Estava claro que ele sequer desconfiasse o que isso fosse. Mas como explicar o que é uma prova a alguém que tem tanta dificuldade assim? O Thio ruminava seus pensamentos tentando achar um meio.
          - Veja, como posso explicar isso a você? Ah, quem sabe você não poderia me dar algum exemplo concreto e aí discutimos em cima dele.
          - Não sei se devo, são casos sigilosos. Se bem que de vez em quando vazamos coisas pra imprensa ajudar a gente...
          - Fale como se fosse em teoria... não precisa mencionar nomes...
          - Tá. Tem um caso em que o acusador, grande chapa meu, a gente combina tudo para não dar xabú depois... pois bem, o acusador quer provar que um determinado sujeito tem um quadriplex em uma cidade litorânea e quer trazer como prova um recibo de pedágio da Rodovia Imigrantes na direção ao litoral. É claro que tal recibo existe, ele foi encontrado em uma diligência ile..., digo legal, feita na casa de um amigo do acusado.
          - Um recibo de pedágio para comprovar que alguém possui um quadriplex? É isso? Você quer aceitar isso como prova?
          - Não sei se é uma prova forte... me ajuda, Thio! Mas veja o raciocínio. Se o acusado tem um recibo de pedágio para ir ao litoral, é claro que ele tem uma razão para ir a uma das inúmeras cidades litorâneas e essa razão não pode ser outra que ir para o seu quadriplex conseguido com dinheiro de suborno... não é claro isso?
          - Um recibo de pedágio para comprovar que alguém possui um quadriplex? - O Thio não acreditava no que ouvia.
          - É... parece fraca... quem sabe se fosse um triplex?
          O olhar do Thio ainda estava perplexo com tudo aquilo, tão perplexo que até o fakinho percebeu.
          - Duplex, talvez? Não, deixemos triplex, é mais chique... o que você acha?
          - E não há nenhuma outra possível prova para tal?
          - Há um depoimento...
          - Pode ser...
          - ... de um vendedor de amendoim da praia que garante que viu o acusado por lá.
          - Viu ele entrar no prédio? Mesmo assim...
          - Não, ele o viu por lá, na praia... ou ao menos era alguém muito parecido com o acusado.
          - Ah!
          - E tem também o documento.
          - Documento?
          - É, o documento de compra e venda do quadriplex, digamos que seja do triplex.
          - Estamos melhorando.
          - Pena que não esteja assinado...
          - Como assim, não está assinado? Por ninguém?
          - É, sem assinaturas, nenhuma. Na realidade, ninguém sabe de onde veio esse documento, mas é um documento de compra e venda, né? Me ajuda, Thio, estou com tantas dificuldades com essas questões de provas... Por que é tão difícil assim?
          O Thio ficou com pena.
          - Se você ainda não tivesse perdido a aula por conta da Isildinha, né?
          - É isso, Thio, agora você percebeu, a culpa é dela! – o fake hair estava desolado. Mas o Thio sabia que ensinar o que é uma prova judicial a alguém que detém o poder como os fakinhos desse país tem é por demais da conta. Em todo o caso, estava tranquilo, pois daqui a pouco, depois da terceira cerveja eles estariam falando de coisas mais amenas.
          - E a propósito, como ela vai? Ainda a vê? – O Thio provocou.
          - A Isildinha?
          - É, ela mesma.
          -  Não a vejo mais, não, faz tempo. Brigamos, ela se decepcionou comigo pois eu não consegui passar no exame da OAB...
          - Acontece, isso acontece. Um brinde, então, às injustiças da vida!
          - Um brinde! – o fake hair levantou seu copo sem perceber a ironia.


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