Abertura
A impaciência do Bebeto ia crescendo naqueles momentos de final de aula e a cada instante ele olhava discretamente seu celular para ver as horas. Os segundos passando lentamente como se quisessem irritá-lo. Era uma quinta-feira e a última aula era de História, Dona Mirtes era a professora. Ela, que tanto gostava de representar as historinhas do passado, aproveitava aqueles últimos instantes da aula para contar uma de suas prediletas sobre reis e rainhas. Neste momento, o sinal de término de aula já estava na contagem regressiva para tocar, espreguiçando-se todo para, a toda energia, anunciar o final de mais um dia no colégio. Mas, para o impaciente Bebeto e seus colegas, os segundos custavam a passar... Na realidade, Bebeto gostava muito daquela aula, sempre aprendia coisas interessantes, mas hoje o seu pensamento estava em outro lugar e ele voltava a olhar o seu celular para saber as horas. E Dona Mirtes falava e falava e o tempo custava a passar...
Era quinta-feira e o Bebeto sabia bem o que isto significava. Após um almoço rápido em casa, que é ali pertinho da escola, ele iria voltar correndo para lá. Essa quinta-feira era o dia de continuar a escolha da equipe para jogar o IX Desafio de Xadrez. Faltava pouco tempo para os dias dos jogos, pouco mais de duas semanas, e a equipe ainda se restringia a dois jogadores realmente competitivos, ele próprio e a Thaís, e um bocado de empurradores de peças, que é como os maus jogadores de xadrez eram chamados por ele. Sabia bem o Bebeto da dificuldade em se conseguir montar uma equipe com cinco bons jogadores até o início dos jogos. E o seu colégio, o Costa Manso, tinha que ganhar o Desafio aquele ano, tinha que! O Costa não podia nem se dar ao luxo de pensar em perder, pensava nisto o Bebeto, era a única coisa em que ele pensava realmente nesses dias, até que...
O sinal tocou anunciando o final da história que Dona Mirtes contava animadamente aos seus alunos, a história do pobre coitado do rei Luís que estava prestes a perder a cabeça na guilhotina durante a Revolução Francesa, e todos sabiam a correria que aquele sinal provocava nos impacientes alunos. Dona Mirtes também sabia, tanto sabia que ela sempre se preparava para esse momento. Ela gostava muito de contar suas histórias passeando pela sala, movimentando-se entre os alunos, representando para eles os reis e as rainhas que tanto gostava, fazendo suas caretas, prendendo a atenção de todos para a importância dos fatos históricos... Mas quando faltavam cinco minutos para o final da aula, ela já se posicionava em um canto da sala e lá permanecia estática, imóvel, ainda falando com o mesmo entusiasmo, é certo, pois a história precisava prosseguir, mas também ela ansiosa esperando pelo sinal... E hoje, como sempre acontecia após o sinal tocar, seguiu-se a correria e o atropelo barulhento dos alunos. Num instante, os corredores se encheram de jovens apressados e loquazes deixando para trás as salas vazias, deixando para trás a Dona Mirtes, no canto, olhar assustado, mais do que o do pobre do Luís prestes a perder a cabeça, final da história ainda em suspenso esperando um momento melhor para ser contado.
Rapidamente, Bebeto juntou todo o seu material, colocou-os na mochila e seguiu seus barulhentos colegas pelos corredores. Naquele dia, o assunto principal para quase todos os alunos, menos para o Bebeto, era o jogo de handebol que o Costa iria fazer no final de semana contra o colégio Porto Seguro pelas quartas de final das olimpíadas escolares paulistana. Nessas horas, era comum ouvir pelos corredores o animado canto de guerra do colégio:
“Costa Manso existe apenas um... igual ao Costa Manso não pode haver nenhum... Costa Manso existe apenas um... igual ao Costa Manso não pode haver nenhum...”
O Bebeto curtia muito ir aos jogos, principalmente os de handebol, que era o esporte onde o Costa se destacava mais, comandado pelo sempre animado Pio no gol. Mas por esses dias não conseguia se concentrar em outra coisa que não o Desafio de Xadrez. Andando mais lentamente que os seus colegas, ele foi ficando para trás, o grupo cantando animadamente e avançando à sua frente. E logo o corredor foi ficando cada vez mais vazio e silencioso, até que ele se viu de novo parado, sozinho no meio da escada, frente ao cartaz anunciando o IX Desafio de Xadrez, lendo-o pela enésima vez. Sempre parava lá, como se precisasse disso para se lembrar do Desafio (mas ele nunca esquecia) e de seu próprio desafio que era montar a equipe e todo o trabalho que teria para tal. Não precisava que o lembrassem de nada disso... ele sabia muito bem o que precisava fazer!
Mas ali, no meio da escada, olhando o cartaz, ele se lembrou mais uma vez que nos últimos anos o Costa tinha perdido aquele torneio de xadrez para o colégio vizinho Arquimedes Correia. Perderam apesar de seu empenho, seu e de sua colega Thaís.
“Bebeto, Bebeto, você sempre olhando este cartaz...” ele ouviu alguém falar quase ao seu ouvido.
Era a Thaís que tinha chegado silenciosamente e estava parada ao seu lado. Mas o Bebeto nem se virou, disse apenas:
“Precisamos achar ao menos mais um jogador bom para a nossa equipe...”
“Vamos ver se aparece alguém novo no teste que faremos. Você marcou para hoje, não é?” ela perguntou.
“É... marquei para esta tarde. Mas tô desanimado.” De repente, ele se dá conta da hora. “Vixe! Estou atrasado, senão nem almoço. A gente se vê depois.”
E saiu correndo, deixando a Thaís para trás.
“Até daqui a pouco, então,” ela gritou para ele, mas o Bebeto nem escutou, já descia a escada de dois em dois degraus, a mochila sambando em suas costas e o pensamento já longe..
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Este é o primeiro capítulo de meu e-book A Turma do Costa e o Desafio de Xadrez. Encontre o livro aqui.
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