Quando Thio Therezo relatou suas desventuras passadas naquele pequeno reino asiático por ocasião da condecoração, que por sinal não houve, por sua façanha de ter assistido a todas as possíveis trocas de guardas existentes nesse mundão de Deus, o que mais nos impressionou, éramos jovens e tudo nos impressionava tanto, foi quando ele mencionou o caldeirão de óleo fervente onde os frequentes golpistas daquele reino jogavam seus inimigos depostos do poder.
Thio Therezo contou-nos que, além de uma ininteligível religião politeísta, aquele reino, que fora por muito tempo uma das meras colônias inglesas, possuía duas características marcantes, arraigadas por milênios de tradição: o usual costume do golpe político e o tal caldeirão de óleo fervente.
Tranquilizou-nos o Thio ao assegurar que o óleo utilizado nessas horas possuía baixo teor de gordura trans, portanto muito mais saudável que um normal. Isso fora uma imposição de um grupo de ativistas que, até o final trágico do reino, buscou uma melhor qualidade de vida a depostos e golpistas, já que esses frequentes movimentos de troca de poder (tanto frequente quanto o da troca de guarda) eram inevitáveis.
Naquele reino, nos pouco mais que cinquenta anos de vida independente, ou um golpe estava sendo planejado ou um já estava em seu efetivo curso. Monarquistas, militares e republicanos alternavam-se no poder, esses últimos em deslavada desvantagem histórica.
Thio Therezo, um verdadeiro expert em reinos perdidos no meio de regiões montanhosas e florestais, como era bem o caso desse pequeno reino asiático, contou-nos então que sim, era uma tradição milenar, um ritual a que nenhum dos derrotados escapava, o terapêutico banho em óleo fervente. Contou-nos também, muito extasiado com isso, que os hábitos se incorporaram no dia a dia e, por isso, não era incomum ouvir-se nos botequins frases do tipo “o óleo ainda está frio”, “tá esquentando, tá esquentando...” ou ainda “já chegou ao ponto da fervura” para indicar, sem meias palavras ou maiores explicações, os vários estágios do golpe da vez.
Consta até que havia, mas Thio Therezo garante que isso é mera especulação de gente desocupada, um imenso caldeirão em uma das torres do palácio central com fogo fátuo para as chamadas “eventuais eventualidades” e que, em mais que cinquenta anos de existência, só em dois ou três momentos esse fogo foi apagado, depois de elaboradas e custosas negociações entre os vários grupos políticos, e o óleo chegou à temperatura que permitia, no máximo, uma corriqueira limpeza de pele.
Thio Therezo conta tudo isso, muitas vezes, com água nos olhos, parece que parentes distantes dele tinham imigrado a esse reino em busca de uma vida espiritualmente mais sã, mesmo conscientes de que um esforço sobrenatural fosse necessário para se entender em toda a profundidade a politeísta religião local. Pelo que se soube, em uma das reviravoltas todos eles tinham virado torresminho. Mas Thio Therezo se lembra bem de um deles, do capitão que o ajudou a fugir do reino naquela confusa e violenta noite da homenagem que não houve. Naquele dia, seus supostos familiares estariam no lado dos vencedores, coisa que, aparentemente, não voltou a suceder meros seis meses depois.
Acontece que um terremoto dizimou de forma inexorável aquele reino matando, sem exceção, todos os seus habitantes. Os poucos que sobreviveram, em um primeiro momento, ao abalo sísmico não conseguiram porém escapar aos caldeirões, muito deles clandestinos e em número maior do que o senso comum acharia possível, que vazaram seus óleos ferventes terminando assim a devastação iniciada pelo tremor de terra e que transformou o reino, com o passar do tempo, em um belo mas desabitado vale florido logo incorporado pela grande potência do leste, que atualmente o utiliza como polo turístico.
Thio Therezo conta-nos que, antes desse fim trágico, o reino passou por uma ligeira experiência republicana. Eleições livres foram realizadas em um ambiente de total liberdade de expressão com o apoio internacional e os dois principais candidatos disputaram, palmo a palmo, uma recém instituída presidência da república.
Mas, tradição é tradição, nem vinte e quatro horas passadas da proclamação dos resultados, o candidato derrotado começou a famosa campanha “aumente a fervura!” com passeatas pelas ruas principais da capital do reino e tudo o mais que fosse possível. Consta que esse candidato, na certeza de que seria eleito, tinha celebrado, par de horas antes do resultado oficial, com champagne uma vitória que não se concretizaria. Dizem as más línguas, mas Thio Therezo não acredita nisso, que ter feito esse papelão frente a seus correligionários foi o estopim que ele precisava para começar imediatamente a campanha pela deposição do recém eleito presidente.
Óleo fervente e champagne, vai saber, estavam no sangue dos habitantes daquele reino...
Sorte ter Thio Therezo na família, garantia de boas estórias :-)
ResponderExcluirO Thio Therezo merece um livro...
ResponderExcluirO Thio Therezo merece um livro...
ResponderExcluirele certamente merece! o duro é convencê-lo a contar suas estórias... preguiçoso que ele é!
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