quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Thio Therezo e a troca de guardas


Thio Therezo se gaba, e seguramente há inúmeras razões para tal, por ter presenciado todas as trocas de guardas reais existentes no mundo. Desde as mais tradicionais até as mais bizarras releituras modernas, não há quem possa reclamar da falta delas.
Ele sempre achou que existia um sentido muito especial na existência, e insistência, dessas trocas de guardas: algo assim como uma perfeita metáfora para o nosso quotidiano, para a vida que vivemos, para a sucessão das gerações. Ele tentou nos explicar essa sua teoria mas nós, jovens que éramos, não conseguíamos perceber seus argumentos em todas a suas necessárias sutilezas. Agitado que era, logo desistiu ao ver nossos olhares ansiosos e confusos. Paciência conosco nunca foi seu forte, o que há de se fazer...
Conta ele que, um dia, ao presenciar a troca de guarda de um pequeno reino asiático, ele foi reconhecido por um guarda que fazia serviços terceirizados nessa área de trocas e que já o tinha visto em outra ocasião e lugar. Nada mais natural reconhecer o Thio Therezo, mesmo em meio a uma multidão, quem já o viu sabe muito bem o que quero dizer com isso.
Pois bem, sem mais poréns, os dois estabeleceram conversas e, no meio dessas, Thio Therezo confidenciou que aquela troca era a última que faltava presenciar em seu extenso currículo, já as tinha visto em todos os diversos continentes e em todos os possíveis países e nos mais variados e improváveis reinos, o que muito impressionou o empregado terceirizado, esse sim com longa experiência no ramo, mesmo que do outro lado.
Logo, mas sem grandes alardes, a notícia da presença de tão ilustre espectador e de sua improvável façanha chegou aos ouvidos reais e o Thio Therezo foi convidado para um monárquico jantar naquela mesma noite no qual ele seria devida e justamente homenageado.
Ao lado dos feitos de outros dois súditos que também seriam homenageados, um por sua capacidade de cantar todas as cantatas de Bach de trás para frente e outro por se gabar por ter feito um jejum completo de 87 dias, a todos ficava claro qual seria o principal homenageado da noite e isso ficou especialmente notável quando o nosso Thio adentrou o grande salão real, perfeita imitação de uma famosa sala de espelhos de outro continente, tantas palmas se ouviram nesse momento.
Nem é preciso dizer que o Thio trajava a sua imponente roupa de gala cheia de medalhas e honrarias. Tantas, que o jovem príncipe local se aborreceu ao notar que o seu próprio traje ficara em segundo plano por sua escancarada simplicidade. Mas, isso, é outra estória, que cada um cultive suas invejas em paz.
Porém, mal o jantar começara e nenhuma das homenagens tinha ainda ocorrido quando irrompeu um golpe militar que destituiu o ultimo dos reis daqueles lados da Ásia.
Thio Therezo só conseguiu escapar da imersão em óleo fervente que era a exemplar e usual punição que os monarcas recebiam naquele país nas frequentes rebeliões militares, por conta de seu, longínquo e inesperado há de se convir, parentesco com um dos capitães que patrocinaram o golpe e, assim, conseguiu fugir do palácio, vestido de padre. Por baixo, sua famosa roupa de gala, que ele se recusou a deixá-la para trás, ainda mais que, na confusão que se estabeleceu, ele conseguiu pegar a medalha destinada a ele na homenagem que não houve e logo percebeu que ela harmoniosamente complementava o seu já impressionante traje.
Tal disfarce, providencial que foi, deve ter chamado muito a atenção em todo o confuso trajeto até o aeroporto que estava prestes a fechar por ter se passado em um país em que cerca de noventa e cinco por cento da população professava uma obscura religião politeísta. O ponto é que salvaram-se todos os inocentes naquele bizarro evento de rebelião. Por sua vez, a troca de guarda daquele dia seria a última do pequeno reino asiático, pois os rebeldes, esquecendo-se do profundo significado metafórico embutido em tal ritual, decretaram, de forma irrevogável, o seu fim.
Mas Thio Therezo se gaba sempre de tê-las presenciado todas, inclusive algumas que já nem existem mais.

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