[[esse conto foi primeiramente publicado em meu livro "Ledos Enganos, Meras Referências", 1996]]
Ela se abaixou pra acender a vela. Pela curva de sua camiseta, pude ver os seus belos seios. Já os tinha visto, certamente, e já tínhamos feito amor. Longamente. Na primeira vez estávamos bêbados e ansiosos. Um longo flerte se acabava naquele dia e começava algo confuso que eu nunca soube definir direito. Confuso e gostoso ao mesmo tempo.
Ela se abaixou pra acender a vela. Pela curva de sua camiseta, pude ver os seus belos seios. Já os tinha visto, certamente, e já tínhamos feito amor. Longamente. Na primeira vez estávamos bêbados e ansiosos. Um longo flerte se acabava naquele dia e começava algo confuso que eu nunca soube definir direito. Confuso e gostoso ao mesmo tempo.
Ela se
abaixou para fazer um cigarro. Pela curva de sua boca pude ver que sorria. Um
sorriso maroto, todo seu, que não saberia descrever. Em alguns dias, naqueles
dias difíceis, eu o interpretava como deboche. Em outros, cumplicidade, sei lá.
Tínhamos tantos segredos em comum.
Ela se
abaixou para trocar a fita do gravador. Pela curva que seu braço fez ao longo
do ar, convenci-me da exatidão de seus movimentos. Nada poético sobrava quando
o movimento se findava. Cada gesto com seu específico sentido, função,
significado. E isto, estranho, contrastava em muito com a flexibilidade de seu
ser, de suas ideias. Contrastava em muito com a imagem que eu ainda tenho dela.
Ela olhou
longe, através de mim, enquanto escutava o Je
ne regrette rien, da Piaf. Pelas curvas que a fita agora faz no gravador,
percebo que ela olha o passado, longamente. Os olhos quase se mareiam, mas ela
sorri.
Ela se
abaixou para pegar o copo com vinho branco que a esperava quietamente num
canto. Pela curva em sua testa agora percebo que quer me dizer algo. Talvez
algo doloroso. Talvez não. De qualquer modo faz tempo que me preparo para
escutar isso. Mas não hoje, não quero escutar isso hoje.
Ela
levantou o copo em sinal de brinde, sorriu e pela curva que seus olhos azuis
fazem, quando me olham, posso ver que não será hoje que ela dirá o que quer me
dizer faz algum tempo (e que eu sei que dirá algum dia e que eu não quero
escutar). Eu não a ajudo em nada para essa decisão.
Levantou-se
e foi ver a madrugada pela janela embaçada. Pelas curvas de seu corpo percebi
que definitivamente hoje não é o dia para conversarmos. Em vez disso, fizemos
amor longa e amorosamente, vigiados apenas pela vela e pelas curvas que sua luz
produz naquelas paredes amareladas. Um estranho silêncio seguiu. Mas ainda uma
troca de carinhos, aqueles próprios para estas horas. A música já tinha
terminado há muito.
Pela
curva da fumaça da vela pude ver que lentamente esta se acabava. Ela se abaixou
para observar a vela se acabar. Pelas curvas que a proximidade da vela produziu
em seu rosto pude perceber que também a noite se acabava. E não só a vela e não
só a noite, com certeza.
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