quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Sem provas, convicções...


          Quando recebeu o número inaugural daquela revista internacional, o Thio Therezo primeiro achou que fosse brincadeira. A revista chamava-se “International Journal of Belief” (IJB) e o seu lema era “no proofs, just belief” que, salvo algum erro crasso de tradução seria algo como “sem provas, apenas convicções”.
          O primeiro artigo da tal revista era sobre um produto químico recém desenvolvido que, o autor estava convicto disso, curava todos os tipos de câncer e, de quebra, como efeito colateral, evitava também o surgimento de unhas encravadas em quem o consumisse diariamente.
          Já no segundo artigo, o autor, em uma simples frase, estabelecia a sua convicção de que a Conjectura de Goldbach era correta. Enunciada 274 anos atrás em uma troca de cartas entre os matemáticos Goldbach e Euler, a veracidade dessa afirmação atraía a atenção de inúmeros pesquisadores. Agora estava convictamente (pelo autor) resolvida. Provas? Ora, bastam as convicções... 
          No meio desse emaranhado de artigos, que mais parecia uma salada russa, havia um que chamou particularmente a atenção do Thio Therezo. Um juiz-promotor que mora em uma dessas republiquetas perdidas nesse mundão de deus descrevia como ele condenara um opositor a partir da convicção de certas delações de notórios bandidos, mas sem a necessidade de provas. Não que isso tenha sido novidade naquela republiqueta, isso o Thio Therezo bem sabia, mas o que chamou a sua atenção foi a menção à “Teoria do Domínio do Desejo” como base de sua argumentação. Essa teoria fora desenvolvida pelo Thio mas, sabemos, nada tinha a ver com a ciência jurídica. Tinha, sim, mais a ver com teorias psicológicas como foi finalmente esclarecido em uma concorrida seção de entrevistas dada pelo Thio, para alívio dos pesquisadores do idepê de Brasília que se incomodavam com qualquer menção de falta de rigor em decisões que, a vista de muitos, eram polêmicas. 
           O Thio escreveu então uma carta aos editores da revista, queria nada a ver com tal narrativa criada pelo promotor-juiz que morava naquela republiqueta. Já lhe bastavam as encrencas que o cercavam no dia a dia.
           Mas aí, a surpresa. Ao olhar o corpo de editores da IJB viu que o seu nome lá constava. Como assim? Nunca me associei a esse pessoal, pensou intranquilo nosso tranquilo Thio. 
          Mais do que depressa escreveu um e-mail à revista em que, além de enfatizar que a “Teoria do Domínio do Desejo” nada tinha a ver com a “Teoria do Domínio do Fato” muito em voga em outros tempos e muito menos com conclusões jurídicas forçadas pelas conveniências, exigia principalmente que o seu nome fosse retirado do tal corpo editorial. 
          Ao longo de um par de semanas trocaram e-mails em um decrescente tom de formalidades que eram substituídas por palavras cada vez mais rudes. Os editores, ou responsáveis, pela revista argumentavam que estavam convictos de que o nome do Thio daria uma inigualável reputação à publicação. Ao que o Thio retrucava que nunca havia autorizado a inclusão de seu nome como editor dessa revista, associado que fosse, principalmente por não concordar com a sua, a seu ver, estranha filosofia. O Thio insistia no espírito que rege um autêntico estado de direito: a inocência presumida.
          O Thio, ao mencionar que não haviam provas de que ele tinha aceito participar do corpo editorial da revista, recebeu um último e-mail, irônico para alguns, que dizia que isso estava inteiramente coerente com o lema da revista: “sem provas, apenas convicções”. E que, para eles, a convicção bastava e, por isso, o nome do Thio permaneceria como um dos editores associados.
          Mas isso não durou muito, pois nem segundo número apareceu, e o Thio pode dormir sossegado, é certo que algum estrago tinha sido feito em sua reputação mas, ao menos, não haveria continuidade. Depois se soube que uma grande indústria farmacêutica patrocinara a revista, pois pretendia comercializar o produto químico que curava o câncer. Com a polêmica causada por essa substância que, apesar de supostamente também prevenir a unha encravada, trouxe reações alérgicas violentíssimas a seus consumidores, levando muitos a dolorosas e insanas mortes por sufocação ou derretimento de orgãos. Sem dinheiro, acabou-se o sonho da promissora revista.
          Claro é, tudo isso são convicções, pois provas, não as há... 

2 comentários:

  1. ...Uau, essa química devia conter amônia!!! e aqui há como provar!!! Pode rir, já vi um tratamento para unha encravada comer a carne do sujeito!!! Surreal! Sorte que a pessoa com tal convicção antes de destruir mais algum pé morreu!!!

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    1. também já vi muita gente com "convicções" arruinarem vidas alheias! Mas, às vezes, a gente tem que ficcionar as situações...

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