quinta-feira, 27 de abril de 2017

Nove verdades, uma mentira



Thio Therezo, antenado que é, vem acompanhando na internet as listas de “nove verdades, uma mentira” que lá circulam. Há de tudo, como é bem a característica do que por lá rola. É claro que ele também tem a sua lista, aliás como bem é sua característica, mais do que uma... Publicamos aqui com exclusividade duas dessas listas.



Lista 1
  1. Na realidade, essa lista tem no máximo sete verdades e no mínimo quatro mentiras.
  2. O item 7 abaixo é mentira.
  3. Há um item dessa lista com duas mentiras.
  4. Esse item não deveria nem contar, pois não é nem verdade nem mentira, muito pelo contrário.
  5. Não há mentira nos itens listados acima.
  6. Uma afirmação que não é nem totalmente verdade nem totalmente mentira é contada como ambas: mentira e verdade.
  7. O item 2 acima é verdade.
  8. Nessa lista, não há pós-verdades que sejam também pós-mentiras.
  9. As verdades são relativas mas as mentiras são absolutas.
  10. A negação de uma afirmação difere da afirmação de uma negação


Lista 2
  1. Há dez mentiras. 
  2. Há nove mentiras e uma verdade.
  3. Há duas verdades e oito mentiras.
  4. Há sete mentiras e três verdades.
  5. Há quatro verdades e seis mentiras
  6. Há o mesmo número, cinco, de verdades e de mentiras. 
  7. Há quatro mentiras e seis verdades.
  8. Há sete verdades e três mentiras.
  9. Há duas mentiras e oito verdades
  10. Há uma mentira e o resto verdades.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Se for i, imagina, imagina!!


            Vezes, à noite, eu acordo com o mero intuito de trocar o sonho, reciclagem necessária quando ele se torna por demais inconveniente. Dou uma volta pela casa escura, tateando os móveis rebeldes, esfolando neles os dedos do pé, espreito as cores da cidade por eternos minutos pela janela da sala. Vezes, sento-me na poltrona da biblioteca herdada, olhos fechados pretendendo o sono.
            Mas, por fim, retorno à cama, arrumo os lençóis, desamasso o travesseiro, checo o despertador, o celular, as manias.
            E troco o sonho.
            Vezes, meramente isso. E tá muito bom!
            Vezes, nem isso, e aí sigo com o mesmo sonho me aporrinhando o pensamento, me perturbando o sono, qual alternativa teria?
            Um grande projeto arquitetônico, imagina isso? Imagina eu tentando construir algo. Ridículo... mas está lá à frente de meus olhos sonolentos. Um quadro de galeria pós-moderna, uma instalação, uma intervenção no viaduto do Chá, uma pintura morta de xícaras de chá...
            Já bastam as frustrações do cotidiano, ainda me impigem aquelas noturnas!
            Uma conversa absurda com a garota do sonho recorrente, a da camisa branca e calça preta e sapatos fazendo toc-toc ao se afastarem. Ou com minha mãe que tem me visitado frequentemente nessas horas, algo a ver com o não resolvido assunto de seu sumiço, de sua irritante necessidade de ser feliz. Só eu sonho com ela ou ela também sonha comigo? O que digo a ela em seus supostos sonhos?
            Trocar o sonho, urge!
            Uma frase desconexa, imagina?
            Imagina o que peço então? Que me livre desse tormento, que tudo volte a ser como deveria ser: sonhos com sentido e inofensivos, daqueles que sabem de seu lugar em nosso cotidiano, que retornam sem questionar a seus cantos, perdidos e esquecidos entre os tantos e inúteis cabos neurais, um sono tranquilo, um pouco de paz no dormir.
            Vezes, até encarei com minha caneta tinteiro as frases desconexas. Troca palavra, aqui e lá, acerta conjugação, colore adjetivos, inibe pleonasmos, vírgula maldita, malditas vírgulas. Como se isso resolvesse, como se bastasse isso. Ao final, continuam frases e continuam desconexas.
            Vezes, o sonho retorna igual... vezes, demoro a dormir... vezes, no desespero de então, ligo a TV, a mesma que passa dias sem se importar comigo. Ligo e me aborreço com os programas da madrugada.
            Lavo a boca seca do desânimo.
            Imagina o que quero nessas horas?
            Imagina? Ter minhas oito horas de descanso de volta, sem interrupções de tantos personagens que comigo habitam, que me impõem companhia a contragosto.
            Já as tive, digo as horas de sono tranquilo, e sei lá por que as perdi... imagina isso?
            Eu me engano tentando me convencer que é a barriga cheia que interfere no sonho, que impede o sono. Vezes, até é... A taça de vinho extra que deveria ter sido evitada. Vezes, pode até ser...
            O sol já quase aparece e eu aqui, nem a companhia do gato que sim tem lá seu sono e sonho tranquilos (se é que gatos também sonham...).
            Inveja.
            Sei lá, ainda dou uma última volta pela casa, observo a tartaruga que me ignora. Espreito as cores ao longe, lavo minha boca seca, checo minhas manias e me deito.
            Imagina o que peço?
            Um novo sonho, e só e só isso. Meramente isso.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Se for h, hummm tanta coisa...

Em uma das inúmeras (e insanas) vezes em que tentei trocar, poucas horas semanais que fossem é certo, minha acolhedora e herdada biblioteca por uma academia de ginástica, o instrutor, com um sorriso irônico nos lábios, me disse que a metodologia lá poderia ser definida de forma bastante singela:
“Primeiro Piaget... depois Pinochet...”
Nem é preciso esclarecer o porquê de eu desistir tão facilmente da academia depois de passarmos rapidamente pela primeira fase.
Mas, em todo o caso, acho que essa bem poderia ser a metáfora da vida: primeiro Piaget, depois Pinochet. Certo é que muitos ainda terão suas fases Pirandello ou Pierrot, mas se estender muito nessas outras direções seria complicar demais a vida. A vida é simples, escandalosamente simples: primeiro Piaget, depois Pinochet, simples assim.
Gosto da ideia de que o começo é Piaget. Lúdica, nessa fase é permitido se sonhar. E como sonhamos! É a fase de querer tanta coisa e, até, achar que elas virão, mais cedo ou mais tarde elas sim viriam. Bastaria um esforço e, pronto, seus sonhos inundariam o cotidiano. Bastaria a boa vontade e, voilá, é só uma questão de tempo pra tudo se concretizar.
Já quis ser escritor, contei? É natural, todo mundo que lê muito, e eu leio sim, já teve desses delírios. Aliás, até muitos que leem pouco também os têm, mas isso é Pierrot, foge muito da dicotomia Piaget-Pinochet e, melhor, deixarmos para lá.
Ouvia Piaget perguntar diariamente e eu só respondia: tantas coisas, tantas... Respondia e sonhava e esperava cumprir.
Um sorriso sincero da Thaizinha-menina-carinha-de-ferrugem. Que fim ela levou, além que percorrer meus sonhos recorrentes?
O amor da Lú que só me procurava quando precisava de algo e que por fim me esnobou de vez.
Tantas coisas queria, quis, quero. Desejos e sonhos piagetianos!
Spalla? Não, spalla não. Violinista, flautista, tubista, o tocador de tímpano no fundo da orquestra, discreto. Melhor ainda, o tocador de pratos que anuncia a hora dos aplausos, esse sim. Isso sim, aplausos retumbantes a quem o merece.
E Piaget insiste e eu também.
O lugar mais alto do pódio, quis um dia. Algum lugar no pódio, que seja, algum lugar na largada da grande corrida, ou das eliminatórias que sejam. Ao menos um, na arquibancada daquele momento histórico, de pé que seja mal enxergando a pista ao longe. Um lugar de destaque no sofá assistindo pela TV.
Poder dizer: eu estive lá. Tantos e tantos lás para sonhar e querer.
Piaget ri, crédulo, ainda há tempo pra se perguntar.
E eu respondo: tantas coisas.
A rapadurinha de amendoim caprichada de minha avó. Que meu pai não tivesse sido juiz, que não tivesse morrido quando eu era tão pequeno. Que minha mãe não precisasse tanto ser feliz, que se contentasse com o que tinha, que ela não tivesse me abandonado então.
Fotógrafo, pianista, goleiro de handebol, o sorriso da Thaizinha, engenheiro, dono de um cineclube, professor, Lú, rapadurinha da vó, tantos livros me inspiraram naquelas longas noites de leitura acompanhado de meus avós, tanto tempo faz, mas agora só com a companhia do gato cafuneador e da tartaruga Esperança.
Quis esperança, claro, e ela veio de forma explicitamente metafórica.
Viajante, andarilho, observador... Cais, ramblas e mares, a solidão eterna, o eterno retorno.
Piaget moribundo, a brincadeira já cansou.
Contei? Quis ser escritor...
Mas aí cruzei com o Pinochet no corredor de casa...

quinta-feira, 6 de abril de 2017

O entusiasta, dois.

            Eu já contei essa história por aqui (O entusiasta do sistema decimal), mas a reconto agora. A mãe de Jorge Luis Borges morreu com 99 anos e, no seu velório, uma grande amiga dela se aproximou do escritor argentino e disse que mais um ano e a amiga teria chegado aos 100 anos. Ao ouvir isso, Borges teria respondido:
            “Vejo que a senhora é uma entusiasta do sistema decimal...”
            Muitos somos entusiastas do sistema decimal, eu inclusive, e é por isso que eu resolvi recontar essa história hoje quando estou publicando o centésimo post nesse meu blog. Não que 99 ou mesmo 101 não sejam números também interessantes, mas chegar aos três dígitos parece ser um marco pra lá de ordinário. E ainda bem que é o sistema decimal. Estivesse eu no mundo Maya onde o sistema numérico era vigesimal e demoraria muito mais para essa celebração. O que dizer então se me pautasse pelo sistema sexagesimal dos babilônicos?
            E lá se vão quase dois anos do dia em que decidi me jogar nessa aventura de escrever semanalmente por aqui. Certo é que fui adiando aquele início por vários meses por medo de não conseguir manter essa frequência. Mas tem sido um prazer, mesmo quando sob stress, forçar-me a publicar, algo que fosse, toda quinta-feira. Nelas já passei um aniversário, já um Natal, já um último dia do ano. E foram crônicas, lembranças, ficções e até me arrisquei a publicar poesia (mesmo envergonhado...).
            No começo, tinha sim um banco de emergência que continha contos e crônicas que estavam na gaveta esperando suas vezes de emergirem à vida cotidiana e, também, o plano de republicar alguns contos de meu primeiro livro (cuja segunda edição vai sair como livro digital nas próximas semanas). Mas também fui salvo na última hora por alguma lembrança até então perdida ou mesmo por algum fato corriqueiro (como o cachorro atravessando a rua quando voltava de Mar del Plata no ano passado) e que pode virar uma crônica. Algumas quartas-feiras foram estressantes, ansioso que sou.
            E, claro, o Thio Therezo e suas estórias. Por falar nele, recebi ontem um cartão postal (é... ele é ainda do tempo em que se mandava cartões postais) parabenizando-me pelo centenário e completa dizendo que ainda deve desfrutar de suas férias por mais algum tempo... Ele nem se importa em ceder momentaneamente o seu espaço no blog ao inseguro e solitário personagem da série “O que você pediria?”
            Mas sim, vezes faltou inspiração... vezes faltou tempo para burilar melhor o texto... vezes faltou coragem de publicar certas coisas... vezes faltou ser mais explícito... ou menos explícito, talvez... vezes faltou ser mais poético...
            Mas o que não faltou foi o carinho de quem me leu, e olha que eu sou muito grato àqueles que me acompanham fielmente todas as semanas (que deve, no entusiasmo do sistema decimal, passar dos dois dígitos...).
            No começo do ano, cheguei a 10 mil visualizações (olha aí o sistema decimal de novo me entusiasmando...). Mas, pouco depois, o contador de visualizações entrou em um estágio amalucado aumentando, sem precisão ou coerência, os números e quando bateu nos 17 mil após meia dúzia de semanas, resolvi retirá-lo do ar (quando ele resolver se comportar de novo, voltará). Quem convive comigo no dia a dia sabe dessa minha incompatibilidade tecnológica, não há computador que funcione nas minhas mãos, não há sistema computacional que se entenda comigo... deve ter algo a ver com a minha geração ou signo, ou ambos.
            Foram quase dois anos em que, à parte do blog, também finalizei um romance que acaba de sair (“Pigarreios”), trabalhei no relançamento de meus dois primeiros livros de contos em forma digital (logo logo sairão!) e, segredo ainda, o primeiro livro infantil. Além de outros projetos que realmente são secretos.
            Esse marco, cem quintas-feiras, me anima a tentar chegar a mais cem e, passo a passo, ver até onde o fôlego aguenta.
            Só tenho a agradecer o carinho de meus leitores e, quem sabe um dia, poder reuni-los todos em torno de uma taça de vinho e de uma boa conversa.