Em uma das inúmeras (e
insanas) vezes em que tentei trocar, poucas horas semanais que fossem é certo, minha acolhedora e herdada
biblioteca por uma academia de ginástica, o instrutor, com um sorriso irônico
nos lábios, me disse que a metodologia lá poderia ser definida de forma
bastante singela:
Nem é preciso esclarecer o
porquê de eu desistir tão facilmente da academia depois de passarmos
rapidamente pela primeira fase.
Mas, em todo o caso, acho
que essa bem poderia ser a metáfora da vida: primeiro Piaget, depois Pinochet.
Certo é que muitos ainda terão suas fases Pirandello ou Pierrot, mas se estender
muito nessas outras direções seria complicar demais a vida. A vida é simples,
escandalosamente simples: primeiro Piaget, depois Pinochet, simples assim.
Gosto da ideia de que o
começo é Piaget. Lúdica, nessa fase é permitido se sonhar. E como sonhamos! É a
fase de querer tanta coisa e, até, achar que elas virão, mais cedo ou mais
tarde elas sim viriam. Bastaria um esforço e, pronto, seus sonhos inundariam o
cotidiano. Bastaria a boa vontade e, voilá, é só uma questão de tempo pra tudo se
concretizar.
Já quis ser escritor,
contei? É natural, todo mundo que lê muito, e eu leio sim, já teve desses
delírios. Aliás, até muitos que leem pouco também os têm, mas isso é Pierrot,
foge muito da dicotomia Piaget-Pinochet e, melhor, deixarmos para lá.
Ouvia Piaget perguntar
diariamente e eu só respondia: tantas coisas, tantas... Respondia e sonhava e
esperava cumprir.
Um sorriso sincero da Thaizinha-menina-carinha-de-ferrugem.
Que fim ela levou, além que percorrer meus sonhos recorrentes?
O amor da Lú que só me procurava
quando precisava de algo e que por fim me esnobou de vez.
Tantas coisas queria, quis,
quero. Desejos e sonhos piagetianos!
Spalla? Não, spalla não. Violinista,
flautista, tubista, o tocador de tímpano no fundo da orquestra, discreto.
Melhor ainda, o tocador de pratos que anuncia a hora dos aplausos, esse sim.
Isso sim, aplausos retumbantes a quem o merece.
E Piaget insiste e eu
também.
O lugar mais alto do pódio,
quis um dia. Algum lugar no pódio, que seja, algum lugar na largada da grande
corrida, ou das eliminatórias que sejam. Ao menos um, na arquibancada daquele
momento histórico, de pé que seja mal enxergando a pista ao longe. Um lugar de
destaque no sofá assistindo pela TV.
Poder dizer: eu estive lá.
Tantos e tantos lás para sonhar e querer.
Piaget ri, crédulo, ainda há
tempo pra se perguntar.
E eu respondo: tantas
coisas.
A rapadurinha de amendoim
caprichada de minha avó. Que meu pai não tivesse sido juiz, que não tivesse
morrido quando eu era tão pequeno. Que minha mãe não precisasse tanto ser
feliz, que se contentasse com o que tinha, que ela não tivesse me abandonado
então.
Fotógrafo, pianista, goleiro
de handebol, o sorriso da Thaizinha, engenheiro, dono de um cineclube, professor,
Lú, rapadurinha da vó, tantos livros me inspiraram naquelas longas noites de
leitura acompanhado de meus avós, tanto tempo faz, mas agora só com a companhia
do gato cafuneador e da tartaruga Esperança.
Quis esperança, claro, e ela
veio de forma explicitamente metafórica.
Viajante, andarilho, observador...
Cais, ramblas e mares, a solidão eterna, o eterno retorno.
Piaget moribundo, a
brincadeira já cansou.
Contei? Quis ser escritor...
Mas aí cruzei com o Pinochet
no corredor de casa...
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