Vezes, à noite, eu acordo com o mero intuito de trocar o
sonho, reciclagem necessária quando ele se torna por demais inconveniente. Dou
uma volta pela casa escura, tateando os móveis rebeldes, esfolando neles os
dedos do pé, espreito as cores da cidade por eternos minutos pela janela da
sala. Vezes, sento-me na poltrona da biblioteca herdada, olhos fechados
pretendendo o sono.
Mas, por fim, retorno à cama, arrumo os lençóis, desamasso
o travesseiro, checo o despertador, o celular, as manias.
E troco o sonho.
Vezes, meramente isso. E tá muito bom!
Vezes, nem isso, e aí sigo com o mesmo sonho me
aporrinhando o pensamento, me perturbando o sono, qual alternativa teria?
Um grande projeto arquitetônico, imagina isso? Imagina
eu tentando construir algo. Ridículo... mas está lá à frente de meus olhos
sonolentos. Um quadro de galeria pós-moderna, uma instalação, uma intervenção no
viaduto do Chá, uma pintura morta de xícaras de chá...
Já bastam as frustrações do cotidiano, ainda me impigem
aquelas noturnas!
Uma conversa absurda com a garota do sonho recorrente, a
da camisa branca e calça preta e sapatos fazendo toc-toc ao se afastarem. Ou
com minha mãe que tem me visitado frequentemente nessas horas, algo a ver com o
não resolvido assunto de seu sumiço, de sua irritante necessidade de ser feliz.
Só eu sonho com ela ou ela também sonha comigo? O que digo a ela em seus supostos sonhos?
Trocar o sonho, urge!
Uma frase desconexa, imagina?
Trocar o sonho, urge!
Uma frase desconexa, imagina?
Imagina o que peço então? Que me livre desse tormento,
que tudo volte a ser como deveria ser: sonhos com sentido e inofensivos,
daqueles que sabem de seu lugar em nosso cotidiano, que retornam sem questionar a seus cantos,
perdidos e esquecidos entre os tantos e inúteis cabos neurais, um sono
tranquilo, um pouco de paz no dormir.
Vezes, até encarei com minha caneta tinteiro as frases
desconexas. Troca palavra, aqui e lá, acerta conjugação, colore adjetivos,
inibe pleonasmos, vírgula maldita, malditas vírgulas. Como se isso resolvesse,
como se bastasse isso. Ao final, continuam frases e continuam desconexas.
Vezes, o sonho retorna igual... vezes, demoro a dormir...
vezes, no desespero de então, ligo a TV, a mesma que passa dias sem se importar
comigo. Ligo e me aborreço com os programas da madrugada.
Lavo a boca seca do desânimo.
Imagina o que quero nessas horas?
Imagina? Ter minhas oito horas de descanso de volta, sem
interrupções de tantos personagens que comigo habitam, que me impõem companhia
a contragosto.
Já as tive, digo as horas de sono tranquilo, e sei lá por
que as perdi... imagina isso?
Eu me engano tentando me convencer que é a barriga cheia
que interfere no sonho, que impede o sono. Vezes, até é... A taça de vinho
extra que deveria ter sido evitada. Vezes, pode até ser...
O sol já quase aparece e eu aqui, nem a companhia do gato
que sim tem lá seu sono e sonho tranquilos (se é que gatos também sonham...).
Inveja.
Sei lá, ainda dou uma última volta pela casa, observo a
tartaruga que me ignora. Espreito as cores ao longe, lavo minha boca seca,
checo minhas manias e me deito.
Imagina o que peço?
Um novo sonho, e só e só isso. Meramente isso.
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