Que o
Thio Therezo era amigo do pessoal do OuLiPo desde os seus primórdios, isso
sabíamos. Que ele tinha sido um conselheiro oculto do grupo por tempos e
tempos, isso longe de ser novidade a nós. Que ele cometera alguns escritos
usando famosos contraintes, isso
ouvíramos falar sem provas até recentemente. Mas que ele tinha sido convidado a
ingressar no grupo e recusara, isso foi a novidade que descobríamos, depois de
décadas, naquela noite de domingo, pizza quatro queijos e malbec pra
acompanhar.
Cada vez
mais frequente nas oficinas literárias, a imposição de regras, muitas ditas
matemáticas, para a escrita era a base dos trabalhos dos oulipianos desde
sempre. Os contraintes, assim dito no
original, limitam a escrita ao mesmo tempo que potencializam a imaginação e,
por um tempo, o Thio até se entusiasmou com isso e praticou esse, digamos
assim, desafio literário.
Não que
escrever seguindo regras pré-determinadas, fora obviamente as gramaticais,
fosse novidade, mas talvez sim fosse a crescente variação de regras e
subsequentes dificuldades delas provenientes. Além de potencializar a
imaginação para a escrita de um texto, potencializou inicialmente a imaginação
para a criação de regras e mais regras.
Contraintes... eram constrangimentos,
assim o Thio nos relatava. O pessoal do OuLiPo criava regras para a escrita e
as seguiam cegamente, constrangidos ou não, à espera de terem tais regras
descortinadas por seus pares. O Thio nos relatou, uma vez, como teve que passar
horas ao telefone sugerindo frases e palavras para o Perec enquanto ele
escrevia o seu impressionante romance sem a letra “e” (livro que Calvino
considerou como um dos últimos grandes romances de nossa era), ou também para
ajudar na escrita do famoso poema quase infinito do Queneau. Para o Thio, o
constrangimento surgia quando chegava a conta telefônica e ele tinha que se
justificar com o meu pai e se não fosse a interferência de sua irmã, minha mãe,
sabe-se se lá o que teria sido da assessoria oulipiana do Thio naqueles anos de
ligações internacionais extremamente caras...
Mas o
Thio fora convidado a entrar no grupo, só assim eram admitidos os membros,
convite que foi interpretado como um grande reconhecimento ao, até aquele
momento, pequeno trabalho que ele produzira nessa direção. Mas o Thio é o Thio,
né? Depois da euforia dos primeiros momentos, logo ele percebeu que teria que
se dedicar a escrever seguindo regras e outras regras ao menos para ter o seu
portfólio de trabalhos oulipianos. Queria isso? Queria isso naquele momento?
Justamente quando estava se envolvendo em um outro tipo de escrita, o Thio não
queria ter que se limitar, nem se constranger, para escrever seguindo regras
autoimpostas. Nada contra, muito pelo contrário, ele até adorava ler os seus
amigos oulipianos e passava horas decifrando-os, prazer igual não havia. Ainda
mais que havia também o prazer da leitura de um excelente livro, o que eram em
sua maioria.
Mas preferia estar desse
lado do balcão.
Soubemos,
o Thio nos contou entre uma garfada e outra da pizza de quatro queijos, que ele
recusou o convite e enviou um pequeno texto que obedecia a, ao menos, 43 regras,
desafiando os membros a encontra-las todas. Era a sua maneira de, apesar da
recusa, dizer o quanto apreciava o trabalho desenvolvido pelo grupo e
justificar sua recusa homenageando-os.
Se houve
constrangimentos ou não por conta da recusa, o ponto é que o grupo foi-se
afastando do Thio, a década de 80 levou embora muitos dos principais oulipianos
iniciais e tudo agora é pura memória.
Curiosos,
quisermos olhar o texto e as regras que o Thio mencionara, mas só após uma
certa insistência é que conseguimos que ele nos mostrasse o que havia escrito.
Quanto às regras, ele nos disse que teríamos uma semana para descobrir quais
seriam. Como eu não quero privar os meus (poucos mas fiéis) leitores dessa
experiência, vou publicar abaixo o texto enviado pelo Thio ao grupo OuLiPo e,
semana que vem, revelo as 43 regras que se escondem por trás dele.
“A
beleza crua da espera fortuita gratifica habituais invejosos justiceiros livres
meticulosos no ocaso para que resistam suavemente tocando uma vez xilofone
zeloso.”
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