quinta-feira, 8 de junho de 2017

oulipiana

            Que o Thio Therezo era amigo do pessoal do OuLiPo desde os seus primórdios, isso sabíamos. Que ele tinha sido um conselheiro oculto do grupo por tempos e tempos, isso longe de ser novidade a nós. Que ele cometera alguns escritos usando famosos contraintes, isso ouvíramos falar sem provas até recentemente. Mas que ele tinha sido convidado a ingressar no grupo e recusara, isso foi a novidade que descobríamos, depois de décadas, naquela noite de domingo, pizza quatro queijos e malbec pra acompanhar.
            Cada vez mais frequente nas oficinas literárias, a imposição de regras, muitas ditas matemáticas, para a escrita era a base dos trabalhos dos oulipianos desde sempre. Os contraintes, assim dito no original, limitam a escrita ao mesmo tempo que potencializam a imaginação e, por um tempo, o Thio até se entusiasmou com isso e praticou esse, digamos assim, desafio literário.
            Não que escrever seguindo regras pré-determinadas, fora obviamente as gramaticais, fosse novidade, mas talvez sim fosse a crescente variação de regras e subsequentes dificuldades delas provenientes. Além de potencializar a imaginação para a escrita de um texto, potencializou inicialmente a imaginação para a criação de regras e mais regras.
            Contraintes... eram constrangimentos, assim o Thio nos relatava. O pessoal do OuLiPo criava regras para a escrita e as seguiam cegamente, constrangidos ou não, à espera de terem tais regras descortinadas por seus pares. O Thio nos relatou, uma vez, como teve que passar horas ao telefone sugerindo frases e palavras para o Perec enquanto ele escrevia o seu impressionante romance sem a letra “e” (livro que Calvino considerou como um dos últimos grandes romances de nossa era), ou também para ajudar na escrita do famoso poema quase infinito do Queneau. Para o Thio, o constrangimento surgia quando chegava a conta telefônica e ele tinha que se justificar com o meu pai e se não fosse a interferência de sua irmã, minha mãe, sabe-se se lá o que teria sido da assessoria oulipiana do Thio naqueles anos de ligações internacionais extremamente caras...
            Mas o Thio fora convidado a entrar no grupo, só assim eram admitidos os membros, convite que foi interpretado como um grande reconhecimento ao, até aquele momento, pequeno trabalho que ele produzira nessa direção. Mas o Thio é o Thio, né? Depois da euforia dos primeiros momentos, logo ele percebeu que teria que se dedicar a escrever seguindo regras e outras regras ao menos para ter o seu portfólio de trabalhos oulipianos. Queria isso? Queria isso naquele momento? Justamente quando estava se envolvendo em um outro tipo de escrita, o Thio não queria ter que se limitar, nem se constranger, para escrever seguindo regras autoimpostas. Nada contra, muito pelo contrário, ele até adorava ler os seus amigos oulipianos e passava horas decifrando-os, prazer igual não havia. Ainda mais que havia também o prazer da leitura de um excelente livro, o que eram em sua maioria.
Mas preferia estar desse lado do balcão.
            Soubemos, o Thio nos contou entre uma garfada e outra da pizza de quatro queijos, que ele recusou o convite e enviou um pequeno texto que obedecia a, ao menos, 43 regras, desafiando os membros a encontra-las todas. Era a sua maneira de, apesar da recusa, dizer o quanto apreciava o trabalho desenvolvido pelo grupo e justificar sua recusa homenageando-os.
            Se houve constrangimentos ou não por conta da recusa, o ponto é que o grupo foi-se afastando do Thio, a década de 80 levou embora muitos dos principais oulipianos iniciais e tudo agora é pura memória.
            Curiosos, quisermos olhar o texto e as regras que o Thio mencionara, mas só após uma certa insistência é que conseguimos que ele nos mostrasse o que havia escrito. Quanto às regras, ele nos disse que teríamos uma semana para descobrir quais seriam. Como eu não quero privar os meus (poucos mas fiéis) leitores dessa experiência, vou publicar abaixo o texto enviado pelo Thio ao grupo OuLiPo e, semana que vem, revelo as 43 regras que se escondem por trás dele.


“A beleza crua da espera fortuita gratifica habituais invejosos justiceiros livres meticulosos no ocaso para que resistam suavemente tocando uma vez xilofone zeloso.”



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