Existem algumas expressões que, por vezes, tiram o Thio Therezo do sério. Uma dela é a tal da “mas aí é diferente...”.
O juiz,
obviamente um ladrão insensível, marca um pênalti, claramente inexistente,
contra o glorioso Ituano. Conversa de bar, esse é o assunto que deixa a muitos
indignados naquele final de tarde de domingo na praça central da cidade
interiorana. Não todos, sempre tem um que concorda com o juiz. Mas aí você lembra
de outro lance, igual, equivalente, análogo, mas contra um tal de Corinthians e
que sequer passou perto de ser considerado como atitude faltosa pelo, agora já
consensual, ladrão juiz.
-... mas
aí é diferente... – a expressão interrompe a conversa. Silêncio.
Claro que
é! É contra o seu time, é a favor do meu... diferença mais do que óbvia.
O Zequinha,
então, chega ao bar comemorando a prisão de um político delatado. Você, como
quem não quer nada, comenta que só vai acreditar que algo realmente mudou nesse
país se aquele outro político, igualmente delatado, igualmente gravado
confessando crimes, igualmente desonesto também for preso.
- ...
mas aí é diferente...
Claro
que é! É o político em quem você votou, é um aliado, foi só um caixa dois
inofensivo (que nem crime é...), uma venda de apartamento, a delação foi só
vingança de um bandido desqualificado...
Se
quiser imparcialidade, não discuta futebol...
O Thio
estava bem acostumado a esse atual, mas aparentemente interminável, fla-flu em
nossa sociedade, não era esse o problema. O problema era a expressão “mas aí é
diferente...” em si. A ele, sempre pareceu que ela transbordava uma arrogância,
um desprezo pela argumentação, pela possibilidade de sequer se analisar
possíveis analogias entre situações, padrões que fossem.
O direto
e seco “mais aí é diferente” matava qualquer continuidade de conversa civilizada,
eliminava a argumentação por contradição, a construção de analogias que poderiam
propiciar um melhor entendimento das questões. E foi por conta desse incômodo
que o Thio resolveu investigar as origens sócio-epistemológicas da dita cuja
expressão. Buscou e investigou e se aprofundou em livros e teses e descobriu,
por exemplo, que os bárbaros da Idade das Trevas, ao decapitarem seus inimigos,
entoavam uma singela cantiga onde o refrão, em uma tradução livre ao latim,
soava como “sed differt” (tradução excessivamente livre, diriam alguns inimigos
invejosos do Thio Therezo, uma forçação de barra, mas aí, é realmente
diferente, é uma questão mal resolvida entre eles).
Descobriu também que essa
expressão estava por trás de muitos movimentos eugenistas e racistas. Poucos
sabem que por dentro daquele ignóbil chapéu da Ku Klux Klan está bordado em
rosa um dos lemas da organização: “but there it is obviously distinct”. Tal
revelação pelo Thio trouxe, como efeito colateral, um renascimento nos EUA de uma
mentalidade ultraconservadora que, dizem, levou, ao final o Trump à
presidência. O Thio, até hoje, em suas palestras nas inúmeras universidades
americanas, pede desculpas pelas graves consequências de sua descoberta e se
justifica dizendo, sinceramente, que seu único interesse era o acadêmico. O Thio,
sabemos todos, abomina qualquer pensamento de extrema direita.
Em todo caso, tão vasta foi
a pesquisa realizada pelo Thio Therezo que caberiam aqui inúmeros outros
exemplos. Como tudo, ou quase tudo, na vida do Thio termina em livro, é produto
dessa pesquisa o famoso (e injustamente criticado) tratado “Analogias,
manipulações e imparcialidades, a maldição por trás da expressão mas aí é diferente”.
Um dos
principais capítulos desse importante tratado diz respeito a uma situação que,
ao ver do Thio, se repetiu em várias épocas e distintas situações históricas. Além
do acima mencionado ritual envolvendo os povos bárbaros, deparou-se ele com um
hábito da época da revolução francesa. Também lá, antes de serem decapitados,
muitos inimigos do povo gritavam “mas là c’est différent...”. Ao se deparar com
esse padrão, o Thio escreveu um capítulo chamado “Perdendo a cabeça” e que,
depois ele percebeu, seria o centro de toda a sua argumentação naquele agora
imprescindível tratado sociológico. A simbologia descoberta agora fechava o
ciclo que ele tanto buscava.
O Thio
iria confessar, tempos depois, que escrever esse livro foi mais do que uma
curiosidade intelectual, pois significou, para ele, uma longa sessão de terapia
que o fez, ao final, olhar com mais condescendência todos aqueles que utilizam
e abusam dessa expressão em prol da finalização de uma discussão.
Se ele
conseguiu, depois de uma terapia litero-acadêmica, se resolver internamente frente
a essa expressão, o mesmo não aconteceu com relação à “você é muito importante
para nós”. Mas isso é outra estória e que contarei semana que vem.