quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Inteligências - II

            Falando em inteligências, há uma que está muito em voga, a tal artificial, aquela que vai aprendendo a partir de uma interação com outros seres supostamente mais inteligentes. Uns ditos algoritmos, tais como as receitas de bolo da vovó, fazem com que esses aparelhos aprendam algo sobre você (verdadeiro ou falso, tanto faz) e, tão logo isso acontece, eles se tornam arrogantes e você tem que se submeter aos seus prazeres sem pestanejar.
            O pior é quando alguma inteligência artificial se torna vingativa, ou porque não foi com a sua cara ou simplesmente porque se sente ameaçada. No meu caso, deve ser a primeira opção visto que, ao menos por conta de minha parca inteligência, não constituo ameaça a quem quer que seja, pessoa ou equipamento.
            Mas aconteceu comigo sim, estou sendo vítima de uma vingança sem sentido mas perversa de uma inteligência artificial. Conto como tudo começou.
            Faz anos eu costumo viajar semanalmente a trabalho, ou quase semanalmente se formos ser mais precisos. Para ter aquela esperança de alguma vantagem futura, viajo sempre pela mesma companhia, a Lantã, sim aquela companhia que... é isso mesmo, aquela que já fez... sem dúvida alguma, sim senhor... aquela que todos sabemos o que esperar.
            No começo, tudo ia bem. Chegava ao aeroporto, despachava a bagagem enquanto fazia meu check in e embarcava (modo de dizer, até parece que eles não estavam sistematicamente atrasados...).  Um dia, sei lá por que, me mandam uma mensagem perguntando a minha opinião sobre um voo que tinha feito e, ao final, escreveram que responder à enquete não trazia nenhum custo a mim, era o tal de grátis... Ri, é o que nos resta nessas horas, só faltava eu ter que pagar também para dar minha opinião sobre serviços prestados por outros contra mim.
            Resolvi ser gentil e respondi com uma nota, mas, como não estava totalmente satisfeito com o serviço, não dei à empresa a nota máxima. Mas, poxa, também não esculachei... Em todo o caso, acredito que eles acenderam o sinal amarelo comigo. O algoritmo logo me marcou como possível persona non grata em letras garrafais.
            Na semana seguinte, a mesma coisa. Voo atrasado, sem informações precisas no balcão e uma mensagem pedindo a minha opinião, sem custo! Nota mais baixa dessa vez e, acho que foi aí que começou a vingança.
            Primeiro, não pude mais reservar com antecedência o meu assento, tinha que me contentar com o assento que eles escolhiam. Logo, começaram a me forçar a fazer o tal check in pela internet. Até aí, tudo bem, gastava-se um tempo em casa fazendo algo que, esperava, seria recuperado no aeroporto. Mas, nada, ao chegar lá, como tinha bagagem para despachar, ainda teria que pegar uma fila. Com o tempo, chegamos a duas filas, uma para retirar a tal etiqueta de bagagem em uma máquina e outra para entregá-la devidamente etiquetada e o check in, que antes dependia apenas de uma ação, agora dependia de três. Além de ter que aprender a lidar com máquinas que sistematicamente não me identificam corretamente (olha aí mais um estágio da vingança...). Acho que, em um desses dias, devo ter comentado com algum atendente sobre essas mudanças e a vingança da inteligência artificial se sofisticou. Só pode ter sido isso.
            Não contente em fazer o que já narrei, durante o voo passaram a me recusar comida ou bebida. Não que tenha sido assim tão drástico. Mas antes, vinha sanduíche quentinho e bebida, depois reduziram para amendoim e, logo, para uma bolachinha vencida. Por fim, nem bolacha nem bebida. Um amigo otimista que também está sendo castigado por suas opiniões no sistema, disse-me que ao menos pularam a fase da tal farinata, da tal ração humana, o que teria sido muito humilhante há de se convir.
            Agora tenho que pagar para despachar a minha bagagem e o carrinho do Mercado Lantã passa correndo pelo corredor do avião. Um dia, quase que tive que ir atrás dele para conseguir um copo de água, mas sem gelo (que, aparentemente, é tabelado). Nem um sorriso da aeromoça recebi, ela também deve estar a par da opinião da inteligência artificial a meu respeito e, sem opções, teria aderido ao boicote.
            E, para assistir algo no voo tenho que baixar um aplicativo e comprar o entretenimento... e trazer de casa o meu fone de ouvido.
            Bastasse tudo isso, a minha bagagem, nem preciso dizer, era sempre a última a chegar à esteira do aeroporto de destino.
            Cansado, resolvi, há um mês, mudar de estratégia e, a partir de então, sempre dou nota máxima e faço comentários mais que elogiosos, não importa o que sinta realmente. Tenho esperança de que conseguirei reverter esse tratamento a que me submetem e a inteligência artificial deixe de ser tão vingativa...
            Acho até que já está funcionando, minha bagagem não foi a última a chegar ontem...

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