quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Inteligências - I

            Sou do tempo em que a palavra inteligência era usada como atributo apenas para seres humanos (e, com certa parcimônia, para alguns outros seres viventes), apesar de, obviamente, não englobar todos esses. Mas agora, tecidos, sucos, tijolos e até postes por vezes têm merecido, em alguns círculos menos ortodoxos, esse qualificativo, o que me deixa um pouco preocupado, pois ou perdemos alguma coisa ao longo dos anos, ou o desenvolvimento tecnológico é tal que não se consegue mais perceber uma diferença que antes era tão evidente...
            Acontece que semana passada, ao ir à cantina aqui perto de casa, vi no menu do dia uma tal de “lasanha inteligente”. Curioso que sou, pedi uma sem pestanejar, ainda mais ser essa uma de minhas comidas prediletas. Estava sozinho aquele dia e com vontade de conversar um pouco, seguramente essa lasanha iria me proporcionar um bom e inteligente diálogo enquanto a saboreasse.
            Ela veio e, prudentemente como sempre faço com inteligências que desconfio serem superiores à minha, tentei puxar assunto com algumas frases meio neutras sobre o tempo, o clima, o trânsito, essas coisas para lá de banais. Pode ser que a lasanaha até fosse inteligente, mas deveria ser muda ou surda, pois não reagiu de forma alguma às minhas provocações sonoras. Talvez fosse arrogante demais, daí o fato dela me ignorar apesar de meus gentis e repetidos esforços no sentido de mantermos um civilizado contato que fosse.
            Chamei o garçom e perguntei a ele sobre a inteligência da lasanha como fora anunciado em destaque pela cantina. Acredito que ele não tinha sido bem treinado para responder a isso, pois gaguejou, olhou para os lados procurando ajuda, tentou alguma explicação padrão e, diante de minha cara de interrogação, foi chamar o gerente. Ao final, fiquei sabendo que, aparentemente, havia uma substância nela que ajudava na quebra de gorduras facilitando a digestão...
            Ah! É isso? Muito inteligente.
            Mas desconfio que essa substância tão superior, apesar de inteligente, não possua os aparelhos de produção e de recepção de ondas sonoras. Daí o seu silêncio. Nada de novo, seres muito superiores em geral não escutam o que nós pobres mortais falamos.
            Sem problema, puxei assunto com o garçom e tivemos uma agradável conversa enquanto eu comia a minha lasanha, o restaurante estava meio vazio aquele dia, véspera de feriado é sempre assim.

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