Sou do tempo em que a palavra inteligência era usada como
atributo apenas para seres humanos (e, com certa parcimônia, para alguns outros
seres viventes), apesar de, obviamente, não englobar todos esses. Mas agora,
tecidos, sucos, tijolos e até postes por vezes têm merecido, em alguns círculos
menos ortodoxos, esse qualificativo, o que me deixa um pouco preocupado, pois
ou perdemos alguma coisa ao longo dos anos, ou o desenvolvimento tecnológico é
tal que não se consegue mais perceber uma diferença que antes era tão evidente...
Acontece que semana passada, ao ir à cantina aqui perto
de casa, vi no menu do dia uma tal de “lasanha inteligente”. Curioso que sou,
pedi uma sem pestanejar, ainda mais ser essa uma de minhas comidas prediletas.
Estava sozinho aquele dia e com vontade de conversar um pouco, seguramente essa
lasanha iria me proporcionar um bom e inteligente diálogo enquanto a
saboreasse.
Ela veio e, prudentemente como sempre faço com
inteligências que desconfio serem superiores à minha, tentei puxar assunto com
algumas frases meio neutras sobre o tempo, o clima, o trânsito, essas coisas
para lá de banais. Pode ser que a lasanaha até fosse inteligente, mas deveria
ser muda ou surda, pois não reagiu de forma alguma às minhas provocações
sonoras. Talvez fosse arrogante demais, daí o fato dela me ignorar apesar de meus
gentis e repetidos esforços no sentido de mantermos um civilizado contato que
fosse.
Chamei o garçom e perguntei a ele sobre a inteligência da
lasanha como fora anunciado em destaque pela cantina. Acredito que ele não
tinha sido bem treinado para responder a isso, pois gaguejou, olhou para os
lados procurando ajuda, tentou alguma explicação padrão e, diante de minha cara
de interrogação, foi chamar o gerente. Ao final, fiquei sabendo que, aparentemente,
havia uma substância nela que ajudava na quebra de gorduras facilitando a
digestão...
Ah! É isso? Muito inteligente.
Mas desconfio que essa substância tão superior, apesar de
inteligente, não possua os aparelhos de produção e de recepção de ondas
sonoras. Daí o seu silêncio. Nada de novo, seres muito superiores em geral não
escutam o que nós pobres mortais falamos.
Sem problema, puxei assunto com o garçom e tivemos uma
agradável conversa enquanto eu comia a minha lasanha, o restaurante estava meio
vazio aquele dia, véspera de feriado é sempre assim.
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