Desde
que o Google Maps lançou a sua versão multitask X34iLCcD803, o cunhado do Thio
Therezo, meu pai, tem estourado a conta da internet lá em casa. Logo após a
leitura completa de dois jornais, raivoso como bem convém a quem ainda se
indigna, meu pai, cunhado do Thio Therezo, senta-se à frente do computador,
tenta relaxar, isolar-se de tudo e começa a sua viagem virtual.
Essa
versão do Google Maps, um significativo aperfeiçoamento da anterior X34iLCcD802s,
permite que, por meio de comandos de vozes, você seja conduzido quase que
imediatamente ao local escolhido e, claro, participe de uma experiência única,
essencialmente sensorial (seja lá o que isso signifique, mas os marqueteiros
devem muito bem saber do que falam).
-
Leve-me ao paraíso – era o comando verbal usual dado pelo meu pai ao Google
Maps. Uma eternidade de 0.00356 segundos se passam até que sejam apresentadas ao
menos 1.847 opções (dependendo do dia e das condições climáticas, esse número
pode variar um pouco), opções essas que vão desde as cercanias da Estação
Paraíso do Metrô de São Paulo até o Batistério de São João em Firenze com sua
famosa Porta do Paraíso, passando por opções que meu pai só escolheria altas
horas da noite quando minha mãe, irmã do Thio Therezo, já estivesse em seu
quinto sono.
A tal
experiência sensorial inclui, além da possibilidade de passear visualmente
pelas redondezas do local escolhido, também os sons, toques e cheiros
ambientais, tudo isso com a precisão que só os mais modernos algoritmos podem
permitir. Tudo isso ao alcance de bocas, olhos e narizes (e até dedos, na
versão do senseware proibida a menores).
Um dia,
o pai chamou o Thio Therezo para mostrar-lhe um passeio que estava fazendo em
uma das opções do paraíso pedido, um lugar perdido no meio de uma das inúmeras cidadezinhas
de nomes impronunciáveis. O Thio logo reconheceu o local e disse:
- Já
estive lá... inclusive eu...
- Como
assim?- papai interrompeu – como já esteve aí?
- Já, já
fui lá. Olha, se você virar aquela esquina e andar alguns passos, vai encontrar
um café esplendoroso, feito com canela tailandesa e servido com um bolo de
cenoura braba que é do outro mundo.
- Mas...
- Cobertura
de chocolate tibetano 63,2%...
- Mas...
- E ali, vê? – o Thio
apontava um prédio em um canto da tela – lá vive uma senhorinha que fala sete
idiomas de origem slava. Discutimos filosofia alemã em três dessas línguas.
- Em três? Sei...
- É... quando tentei a
quarta, desisti, me dei por vencido, para deleite da senhorinha, simpática que
só ela.
- Quer
dizer que você já esteve lá?
- Sim,
claro, algumas vezes...
- Claro,
algumas vezes – o pai usava de sua ironia.
- É um
lugar bem interessante, diga-se de passagem. Parabéns pela escolha.
- Mas
não é a mesma coisa.
- Ãh? – o Thio não entendeu a observação.
- Nada
como a sensação de conhecer um lugar no conforto de sua casa, de chinelão, com
o filtrador de raios beta, o decantador de odores, o controlador de ruídos...
Qual a graça de estar lá? Nesse solzão, com todos os odores te atacando,
pessoas apressadas te empurrando, cansado de tanto andar...
- Acho
que prefiro em loco...
- Thio,
deixa eu te falar algo. Você precisa experimentar novas sensações, nada mais
antiquado que se estressar com todo esse processo de viagem, fazer malas,
aeroporto, o taxi te explorando, comidas diferentes, hotéis impessoais, colchão
macio demais...
E aí o pai completou, rindo,
com seu conselho predileto:
- Você precisa sair de sua
zona de conforto.
Pronto,
o pai sabia como tirar o Thio do sério, bastava usar o pior dos piores
conselhos de autoajuda jamais criados, o supra-sumo dele.
A
discussão, hoje, prometia.
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