O Thio Therezo é da época em que a palavra inteligente qualificava um ser humano,
um elogio a uma característica desses seres aparentemente especiais. Não era
algo que poderia se referir a coisas e objetos, muito menos a, por exemplo,
um... bueiro!
- Sim, um bueiro - o Thio se indignava novamente frente à
televisão, estávamos vendo um daqueles programas noturnos de variedades – essa
matéria aí é sobre um bueiro inteligente! Ach, a que nível chegamos!!!!
E o Thio agora estava de pé, olhando para a televisão em efusivo
e adiantado estágio indignativo. Sim, o Thio era do tempo em que as pessoas
ainda se indignavam com as coisas, com os absurdos ouvidos e lidos. Quando
parar de se incomodar com certas coisas, o Thio Therezo costumava dizer, melhor morrer.
- Melhor morrer!!!! – gritou ele.
Mamãe, irmã do Thio, apareceu de sopetão na sala para ver do
que se tratava aquela gritaria toda. Anos de convivência e não tínhamos ainda
nos acostumados com os repentes indignativos do Thio. A irmã do Thio, nossa mãe,
convenceu-se após alguns instantes que, na realidade, tudo estava em ordem no universo,
ninguém estava realmente a morrer e voltou para a preparação de uma daquelas
deliciosas sobremesas que tanto adoçavam nossa vida.
Mas, volta à sala, seguiu o Thio a dissertar por um longo tempo sobre as inúmeras inteligências que se encontravam atualmente,
bastava olhar ao redor e lá vinham postes inteligentes, aviões inteligentes,
tecidos inteligentes, inteligências inteligentes.
- Lasanha inteligente, onde já se viu? Vocês a conhecem?
Frente à nossa negativa e curiosidade, ele então nos contou
a estória dessa tal lasanha especial. Aparentemente ela continha uma
substância que ajudava na digestão, ao menos assim vinha escrito no cardápio.
Por isso, inteligente era e se era assim inteligente por que não trocar com ela
algumas ideias?
- Mas qual-o-quê? Tentei conversar com a lasanha e nem nas
usuais amenidades ela quis se meter. Tentei outras frivobanalidades e nada de
nadinha. Ficou muda, ignorou-me totalmente! Imagina se tentasse falar sobre
filosofia pós-oriental? Ou matemática pré-paradoxal? Física neoquântica? Bah! Na realidade, nem
quis insistir muito pois corria o risco da tal substância que ajuda a digestão não cumprir
o seu papel e aí, já viu, né? Por fim, nem reclamei da falsa propaganda com o dono
do restaurante, ainda mais que, de qualquer forma, a lasanha estava muito
saborosa. Burrinha, burrinha, mas muito saborosa.
Nessas horas, sabemos, melhor é não retrucar, melhor mesmo
é tentar usufruir dos ensinamentos do Thio Therezo, a despeito de suas iras
usuais voltadas ao universo que, de acordo com ele, se perdeu totalmente. Além
disso, de inteligência o Thio entende, é famoso o seu livro “Inteligências pós-artificiais e neonaturais”
que tanto sucesso fez anos atrás. Misturando conceitos filosóficos rigorosos e
profundos com conexões ao nosso banal cotidiano, esse livro agradou tanto a
crítica quanto o público. Pena que eram tempos outros aqueles, e logo o livro foi
descendo em sua hierarquia até ser vendido nas estantes de auto-ajuda, cercado
pelos livros de culinária medieval de um lado e por biografias autorizadas de
duplas de sertanejos acadêmicos pelo outro.
- Em tempos de terraplanistas e escolas sem partidos, os
inteligentes são os bueiros... os bueiros!!! – saiu praguejando o Thio Therezo
do alto de sua indignação.
Aproveitamos e mudamos o canal para um pacato filme de
guerra intergaláctica. Sinais dos tempos.
E o tio Therezo é do tempo em que os nomes podiam ser trocados! Flávio, como sempre é bom saber que os tempos avançam e as palavras têm que ser adequadas a estes. A não ser que falemos do tempo eterno... isto é, dos fenômenos cíclicos - circadiano e, nesse caso espero que por mtos anos o intergaláctico continue na esfera da ficção!
ResponderExcluirJá imaginou descobrirmos que este preza mais o partido que a vida?
inté...
Regina, é verdade, o Thio é desses tempos de nomes trocados. O meu avô tinha escolhido o nome de Thereza para uma filha que ele achava que estava a caminho. Veio um menino e ele não quis colocar o nome Therezo. Misturou as letras, surgiu a palavra Erthezo e ai ele batizou o meu tio de José Erthezo. Muitos anos depois, eu ressuscitei o Therezo e daí surgiu o Thio Therezo que tem me acompanhado em minhas crônicas e contos. Abraços
ExcluirAchei graça quando o tio dizia que lasanha poderia ser burrinha pois isso fez com que ele abrisse uma chance a humanidade de poder reeduca-la. Chance esta, maior que com os terraplanáticos, estes que estão abaixo dos bueiros. Muito bom.
ResponderExcluir