quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Pão


          É gratificante para quem, como eu, passou a vida comendo o pão que outros amassaram poder fazer o seu próprio pão. Não que isso tenha algum significado exótico, místico que seja, é apenas que pareço flutuar em outro mundo quando me concentro em uma receita de pão, simples que seja. Sim, experimentei no final de semana uma nova receita de focaccia depois de tanto tempo, depois de tanto tempo e lembranças.
          A farinha ao fermento, água e sal, sova com a raiva que não se tem na realidade, ver a massa crescer e lembrar de tempos passados, o pão que a avó fazia, aos domingos íamos todos à sua casa. Esperar pelo cheiro quente chegar à sala, a manteiga esparramada que logo derretia no pão em forma de bola apenas saído do forno, às vezes o queijo também desaparecia junto à manteiga, o silêncio até a primeira mordida, segundo não há a perder.Tempos passados sim... as lembranças estanques, a esperança congelada, parece até que só a massa do pão cresce hoje em dia, parece que só o pão ainda resiste.
          O pão, sim, me faz sorrir e não por acaso pois faço parte de civilização que tanto o cultivou, aquele primordial alimento que faz parte de todas as culturas, forma que seja, simples ou não, com recheio ou só à espera de um.
          Mas, para mim, nada como um pão simples molhado no azeite e sal.
          Massa pronta e já crescida, salpicada por alecrim e sal grosso das salinas de Aveiro, ajusto a temperatura do forno à das redes sociais e agora é só esperar o tempo agir.
          Em um cotidiano recente cercado de dores e remédios, de impostos a pagar e confiscos do capitão e do eterno governador, de desesperanças e desesperos, de amigos perdidos para a ignorância e ao autoritarismo, nada como um pequeno intervalo para ver o pão dourar. Eu me perco nesse instante frente ao forno e, mesmo com fome e ansioso por comer o pão feito em casa, pareço querer me esquecer em uma imensidão de momentos longe de tudo. Mesmo ciente de que é só escapismo, esperança não há.
          Pão quente com manteiga, fecho os olhos, perco-me em tantas lembranças. Pena que junto à manteiga também não derreta esse ranço que há anos nos sufoca, nos queima, nos abate.
          Servido de uma focaccia quentinha? Com ou sem manteiga?




Caros amigos, salvem a data e horário: 14 de setembro, das 16 às 19 horas. Será o lançamento de meu novo livro de contos ("outros tantos", Editora PENALUX) na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915 na Vila Madalena, São Paulo. Ficarei muito contente com a presença de vocês.


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