É
gratificante para quem, como eu, passou a vida comendo o pão que outros amassaram poder fazer o seu próprio pão. Não que isso tenha algum significado exótico,
místico que seja, é apenas que pareço flutuar em outro mundo quando me
concentro em uma receita de pão, simples que seja. Sim, experimentei no final
de semana uma nova receita de focaccia depois de tanto tempo, depois de tanto
tempo e lembranças.
A
farinha ao fermento, água e sal, sova com a raiva que não se tem na realidade,
ver a massa crescer e lembrar de tempos passados, o pão que a avó fazia, aos domingos
íamos todos à sua casa. Esperar pelo cheiro quente chegar à sala, a manteiga
esparramada que logo derretia no pão em forma de bola apenas saído do forno, às
vezes o queijo também desaparecia junto à manteiga, o silêncio até a primeira
mordida, segundo não há a perder.Tempos passados sim... as lembranças estanques,
a esperança congelada, parece até que só a massa do pão cresce hoje em dia,
parece que só o pão ainda resiste.
O
pão, sim, me faz sorrir e não por acaso pois faço parte de civilização que
tanto o cultivou, aquele primordial alimento que faz parte de todas as culturas,
forma que seja, simples ou não, com recheio ou só à espera de um.
Mas,
para mim, nada como um pão simples molhado no azeite e sal.
Massa
pronta e já crescida, salpicada por alecrim e sal grosso das salinas de Aveiro,
ajusto a temperatura do forno à das redes sociais e agora é só esperar o tempo
agir.
Em
um cotidiano recente cercado de dores e remédios, de impostos a pagar e
confiscos do capitão e do eterno governador, de desesperanças e desesperos, de
amigos perdidos para a ignorância e ao autoritarismo, nada como um pequeno
intervalo para ver o pão dourar. Eu me perco nesse instante frente ao forno e,
mesmo com fome e ansioso por comer o pão feito em casa, pareço querer me esquecer
em uma imensidão de momentos longe de tudo. Mesmo ciente de que é só escapismo,
esperança não há.
Pão
quente com manteiga, fecho os olhos, perco-me em tantas lembranças. Pena que
junto à manteiga também não derreta esse ranço que há anos nos sufoca, nos
queima, nos abate.
Servido
de uma focaccia quentinha? Com ou sem manteiga?
Caros amigos, salvem a data e horário: 14 de setembro, das 16 às 19 horas. Será o lançamento de meu novo livro de contos ("outros tantos", Editora PENALUX) na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915 na Vila Madalena, São Paulo. Ficarei muito contente com a presença de vocês.
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