Eu tenho um sonho recorrente. Estou em um grande galpão com
imensos espelhos por toda a parte, espelhos retos, curvilíneos e oblíquos, espelhos
labirínticos espalhados no chão, nas paredes, no teto, por toda a parte. Quando eu olho para eles, mal me reconheço,
isso quando consigo distinguir neles algum traço que seja de mim, distorcidas imagens
à distância confundindo as retinas. Às
vezes, de tão esquisitas imagens até parece que estou sonhando o sonho de
outros, invadindo-os inadvertidamente, roubando suas autorias inconscientes,
interferindo em seus inconscientes.
Subo escadas, mas nas imagens pareço descer, às vezes não
estou sequer me mexendo. Mas estou, sim. Vejo pessoas, conhecidas ou não, que
aparecem nas imagens e se vão tão repentinamente quanto apareceram enquanto
ando por este imenso e confuso espaço oblíquo observando alternadamente os inúmeros
espelhos, as pessoas e as minhas imagens, que nem sei se são realmente minhas
tão confuso que é meu sonho. Estaria eu em uma grande galeria e seria eu a
imagem que os visitantes curiosamente observam?
Repentinamente, fico meses sem sonhar com os espelhos,
outros sonhos além desse me atropelam o sono, confundindo-me a vida. Mas esse
em particular sempre retorna às minhas noites mal dormidas, retorna dessa mesma
maneira estranha, e eu acabo me perdendo nesse labirinto de imagens, minhas e
de outros, cada vez mais profundamente, e em um recorrente e apavorante ciclo.
Como interpretá-los afinal? De que me ajudaria sabê-los racionalmente entendidos
e classificados? Em que página do Manual
dos Sonhos ele se encaixa?
Dizem que sempre sonhamos, cotidianamente e sem exceção, e
que sonho bom é aquele que não recordamos, pois não seria essa a sua função, tudo
isso fazendo parte de nossa normalidade. Mas para mim, tudo me soa diferente,
pois sei que só sonho às vezes, só sonho quando consigo realmente recordar
deles. E desse especificamente eu me recordo tanto que até me perturba quando
estou acordado.
O estranho é que, a cada vez que volto a sonhar, retomo o
sonho no exato instante em que parei na vez anterior, ou assim me parece, ou
assim é que recorrentemente me lembro.
Ontem eu sonhei de novo e você, desta vez, estava lá. Tantos
anos, juntos e de sonhos recorrentes, e só quando estamos separados e distantes
é que você se digna a aparecer, refletida em vários dos espelhos que loteiam o
imaginário galpão. Lembro agora de um dia ter contado esse sonho a você e você ter
me cobrado a sua presença nele, como se isto fosse possível, você reclamando
que outras pessoas o habitavam, mas que eu nunca mencionava a sua presença. Eu
sempre desconfiei que o começo de nossa desarmonia tinha algo a ver com o fato
de você não aparecer em meus sonhos, recorrentes ou não, e, agora me convenço
finalmente, não aparece nem nesses tantos contos que insisto em contar e
recontar, o que também gerava críticas suas em seus violentos e usuais momentos
de ciúmes.
Nesse sonho principalmente, o de espelhos e ideias
sufocantes, você nunca tinha aparecido, mas, agora, lá está você, ou sua
imagem, ou o que me lembro dela, ou o que me lembro de você, já nem sei bem ao
certo tão distantes nos encontramos por esses dias, vindo devagarinho,
sorridente, em minha direção, os espelhos refletindo suas angústias e medos, e,
por que não, os meus também. Caminhava em minha direção, mas sua imagem se
distanciava, seria efeito dos espelhos? Acordei justamente no momento em que
você estava já bem perto e prestes a me dizer algo.
Mal espero a hora de sonhar de novo e ver se, ao final, ganharei um beijo ou não.
Montréal, maio de 2009
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