Estávamos almoçando e escutando a dupla de marqueteiros fazendo
sua cotidiana propaganda diária quando o Thio Therezo, de repente, declarou:
- Querem saber? O jantar hoje é por minha conta, 100% caseiro.
Todos sabemos das qualidades culinárias do Thio, as que eu,
inclusive, já comentei por aqui um par de vezes. Mas, por conta de certos
aborrecimentos que também já comentei por aqui, o irmão de minha mãe tinha
deixado de nos brindar com aqueles pratos maravilhosos que só ele consegue
fazer. Nada pessoal com a família, mas sim com certos críticos culinários,
coisas que nem valem a pena recordar de novo.
E
agora esse repentino anúncio, logo depois de ouvir os marqueteiros, encheu-nos
de alegria. Claro que disfarçamos um pouco o entusiasmo, olhares brilhantes e meio
sorrisos foram trocados, mas só. Não queríamos que o Thio interpretasse essa
repentina alegria como uma crítica por ele não ter dividido conosco, ao longo
dos últimos anos, os seus incríveis dotes culinários.
Passamos
todos a tarde inteira muito curiosos para saber qual seria o prato a ser feito.
Uma única dica ele nos deu: tudo seria 100% caseiro, até a bebida seria 100%
caseira, um bolo 100% caseiro de sobremesa.
As horas
passavam e não víamos o Thio sequer chegar perto da cozinha. Sabíamos da competência
e agilidade do Thio em preparar suas receitas, mas achávamos que algum preparo
prévio deveria ser essencial nessas horas.
Já
eram quase sete horas da noite quando o Thio finalmente se levantou da poltrona
onde passara a tarde lendo e disse:
- Bom,
pessoal... já é hora de começar! – espreguiçou-se e foi em busca do seu
celular. De lá, fez um par de ligações e, em seguida, foi para a cozinha para,
de acordo com ele, preparar o bolo de chocolate que prometera.
Às oito
horas, a comida foi entregue por um desanimado moto-boy. O Thio recolheu a
comida, fechou-se na cozinha e, quinze minutos depois, trouxe os pratos para a
mesa, o vinho já dentro no decanter, e anunciou o jantar.
Não que
não estivesse bom, mas seguramente não estava no padrão Thio Therezo que todos
esperávamos. Comemos bem, sim, e mesmo o bolo que, depois descobrimos era um de
caixinha, não nos decepcionou. Mas, ficou no ar um pouco a promessa do Thio.
Como sempre,
foi meu pai, crítico eterno das façanhas do cunhado, que resolveu falar. Havia,
claro, um prazer nas suas palavras.
- Mas,
Thio, você não disse que seria um jantar 100% feito em casa?
- E
foi...
-
Desculpe, mas não me pareceu...
- Veja
bem, a partir do momento em que a comida atravessou aquela porta, 100% dos processos
envolvidos, colocar em pratos, manter a comida quente, espalhar o tempero,
ajustar o visual, tudo isso foi feito em casa e por mim. A partir do momento em
que abri a garrafa de vinho, fazê-lo respirar, colocar no decanter,
servir em taças apropriadas, tudo 100% feito em casa. Até o bolo que, alguém
insinuou que era de caixinha, foi feito por mim. A partir do momento em que
abri a caixinha, todo o processo foi 100% caseiro. Ou vocês não gostaram do meu
jantar?
Um
silêncio nos poupou mais embaraço, pois logo nos lembramos da tal vacina que fora
anunciada na hora do almoço como 100% nacional e, dito desta forma, nosso
jantar foi sim bem caseiro, integralmente caseiro.
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