“... mas isso não é uma ciência exata...”
Tenho certeza de que você já ouviu essa frase e, na maior parte das vezes, é apenas uma óbvia constatação. Mas, por vezes e talvez poucas, tem um significado meio escondido, algo insinuando que a argumentação lógica acabou, que é um fato a ser aceito imperiosamente, e sem contestação, pelo interlocutor. Assim como “é para a sua própria segurança” ou “você vai entender isso quando for mais velho”, a frase evocando a negação de exatidão de algo é para por fim a uma conversa, a uma discussão, a qualquer explicação lógica. É assim e ponto final!
Mas me lembro de uma vez em que ouvi isso em um contexto que, a rigor, era absurdo e que sim significava uma maneira de se terminar, unilateral e arrogantemente, uma discussão.
Tinha comprado um apartamento na planta e, por precaução, pedi uma planta da garagem ao corretor. Tinha comprado três vagas, uma dupla e uma simples, essa de tamanho grande, enquanto que as outras de tamanho pequeno, todas elas bem delimitadas. Pois bem, quando recebi o apartamento, percebi que só duas vagas estavam demarcadas, a que devia ser a simples, e a outra, a dupla, ocupando apenas o lugar de uma simples. As duas no tamanho pequeno. Nem precisa dizer que os pilares na garagem estavam separados por medidas menores do que as indicadas na planta que tinha em casa...
Bom, reclamei, e reclamei, foram me passando de “responsável” em “responsável” até que não teve jeito e um dos diretores da construtora me ligou para conversar. Nem vou me ater ao fato de ele ter me tratado como uma criança de cinco anos, nem vou me restringir à sua usual e própria arrogância. Ele, sem conseguir explicar direito o porquê de estar entregando duas vagas de garagens quando eu tinha comprado três e ainda mais em tamanhos distintos, logo apresentou a solução dele. Que eu poderia usar a vaga do zelador, que ele próprio conversara com o zelador que abriria mão de sua vaga para que eu estacionasse lá o meu terceiro carro, carro que, aliás, nunca teria.
Ãh? Como?
Senti que ele esperava receber aplausos e compungidos agradecimentos por ter resolvido a questão tão genialmente. Mas, para o seu visível desapontamento, eu me restringi a perguntar o que aconteceria quando houvesse alguma troca de zelador, o que aconteceria se o condomínio não concordasse com essa solução e, principalmente, como eu poderia vender, no futuro, três vagas e só disponibilizar duas ao comprador? Além do mais, isso pareceria óbvio a qualquer um, eu queria receber as vagas de garagens que comprei, no tamanho que as comprei, mesmo que não fosse usá-las todas.
A questão, na realidade, era que, por um aparente erro de construção, as paredes da garagem tinham sido feitas com uma distância menor do que a projetada e o autodenominado gênio da raça com quem eu falava não podia nem queria assumir isso. No meio da discussão, quando claro estava que eles teriam que fazer alguma coisa e que tinham errado feio na execução da obra, ele me solta o
“... mas a engenharia não é uma ciência exata... essas coisas acontecem...”
Ãh? Como? Quer dizer que vocês não podem me assegurar com certeza que o prédio não irá cair? Que apenas acham que construíram direito?
Tem horas que a gente não sabe se ri ou não. Tentei manter a seriedade necessária para tratar desse assunto e, após explicar a minha formação que inclui sim alguns anos de engenharia, consegui com que eles me escutassem e, ao final, a empresa fez os reparos e eu tive claramente demarcadas as minhas vagas de garagem. Com a boa relação que tenho com meu vizinho, nenhum de nós se incomoda em fazer manobras extras para estacionarmos nossos carros no espaço inexato a que nos coube.
A mente voa nessas horas e acabo de me lembrar de outra estória envolvendo compras de imóveis. Conto-a, é rapidinho...
Preço acordado na compra de um imóvel, lá fui eu para assinar o contrato e pagar a primeira parcela, dividida como usual em vários cheques. Mas chamou-me a atenção que um desses cheques era destinada ao pagamento de um advogado. Perguntei e fui informado que a construtora contratara uma empresa de advocacia para me auxiliar na confecção do contrato, mesmo ele sendo padrão e não havendo possibilidade de modificações. Mas que o advogado estava sim à minha disposição.
Ãh? Como? A construtora contratou um advogado, às minhas custas, para pretensamente defender os meus interesses? Ãh? Como?
“É isso mesmo, senhor...”
E nada que eu falasse me fez convencer o vendedor de que quem iria defender os meus interesses era alguém de minha confiança e não alguém contratado pela parte oposta...
É para a sua própria segurança... quando você for mais velho, irá entender... e, é claro, isso não é uma ciência exata...
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