quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Nobel por um dia...


Foi um verdadeiro lio quando o Thio Therezo foi indicado para o Nobel da Paz por “contribuir de forma inequívoca à fraternidade entre os povos” como constaria em um comunicado oficial da Fundação Nobel. Eles, que normalmente se recusam a comentar sobre candidaturas que não foram premiadas, tiveram que abrir, naquele específico ano, uma estrondosa exceção frente às especulações que geraram o vazamento da concessão do prêmio ao Thio.
Foi assim. 
Um emissário da Fundação ligou ao Thio Therezo às cinco horas da manhã para dizer-lhe que tinha sido agraciado com tal prestigioso prêmio e etc. e tal. E solicitava que o Thio guardasse segredo, pois o nome do premiado só seria divulgado mais tarde.
O telefonema acordou-nos a todos em casa, e fomos, um a um, encontrar o Thio pendurado ao telefone falando em um perfeito e educado norueguês (ao menos, pareceu-nos perfeito; tá certo que essa é sempre a impressão que se tem quando não se fala uma língua, mas...). Após essa conversa, Thio Therezo comunicou-nos sobre o prêmio e, bocejando, completou. 
“Que mania esses europeus têm de ligarem sem se importarem com o fuso... podiam ter esperado eu acordar, ora bolas! Vou continuar meu sono...” e seguiu para o seu quarto. Ainda sob o impacto da notícia, nem conseguimos articular resposta que fosse.
O segundo telefonema foi dado um par de horas depois quando Thio Therezo ainda fazia suas abluções matinais (o Thio ainda é a única pessoa que eu conheço que faz abluções matinais). Dessa vez, um alto comissário da Fundação Nobel ligava para relatar-lhe possíveis resistências, internas e externas, a essa concessão. No primeiro momento, ninguém conseguia entender as razões para tal, ainda mais a família, tão orgulhosa era dos feitos e achados do Thio em todas as áreas do conhecimento humano e também por sua luta em prol de uma sociedade mais justa.
Só mais tarde é que um outro telefonema veio a esclarecer que nada havia de pessoal contra o Thio, apenas que havia um grande lobby para que um famoso general ficasse com o prêmio. Esse, assim como o Coronel Buendía, tinha iniciado 17 guerras e agora, no estertor de sua vida e se vendo devorado por um agressivo câncer, lançara uma autobiografia em que se arrependia de seus pecados e se postava como o grande defensor da paz mundial.
O comissário argumentava que muitos achavam que o Prêmio Nobel estaria melhor nas mãos do general (não vou nomeá-lo, nem insistam) em vista do possível marketing que isso poderia trazer à causa. Thio Therezo, sereno demais dado que via seu prêmio sair voando pela janela, ainda perguntou sinceramente a qual causa o comissário se referia, mas a ligação caiu em seguida, deixando a todos nós sem uma resposta.
Os telefonemas internacionais seguiam ao longo do dia e, apesar de ninguém confirmar, era visível a tendência de retirar o prêmio do Thio e entregá-lo ao general que lutava ferozmente com todas suas forças e meios pela causa da paz...
Thio Therezo, a parte dos telefonemas, não mudou sua rotina naquele dia. Nós é que, desde a primeira ligação dos noruegueses, não conseguíamos mais nos acalmar. Thio Therezo, coerente com o seu jeito, não fez uma ligação que fosse, não fez um contato sequer.
Ao final do dia, já eram umas nove horas da noite (o Thio Therezo ainda comentou, ao ouvir o telefone tocar, “mas esse pessoal não dorme?”), uma última ligação, agora do Presidente da Fundação que, todo constrangido, pedia desculpas pelo ocorrido e por ter sido obrigado a mudar a premiação, que seria dado ao general.
Numa, para muitos, inversão de papéis, o Thio Therezo gastou todo o seu norueguês para consolar o pobre coitado que não se cansava de se desculpar. Ao final da longa ligação, Thio Therezo voltou ao seu jantar e apenas reclamou que a comida tinha esfriado. Estávamos todos muito amuados e não conseguíamos entender como ele agora devorava alegremente, fria que fosse, sua comida predileta, preparada às pressas pela minha mãe naquele que seria o seu dia!
Como só poderia acontecer, a notícia vazou e a Fundação Nobel teve que vir a público negar qualquer confusão.
Sempre que se refere a essa estória, Thio Therezo apenas menciona, às gargalhadas, que perdeu a guerra pela paz... Mas, no fundo, sabemos que ele sente o fato de não ter ganho o prêmio que iria viabilizar financeiramente o “Instituto Thio Therezo em prol da Educação”, seu sonho desde sempre.
Ele nunca mais foi indicado ao Nobel da Paz, a mágica se quebrara e os inimigos, de sobreaviso, sempre conseguiam boicotar até as indicações que ameaçavam surgir ano a ano, aqui e acolá. Ainda tentaram articular um Nobel de Literatura, mas isso não prosperou e a única deferência que sobrou foi o presidente da Fundação ligar ao Thio (sempre às cinco da manhã, o que gerava anualmente o mesmo comentário sobre os hábitos europeus) para comunicar-lhe, em primeira mão, os agraciados daquele ano. Parece que só o Thio Therezo tem essa deferência.
Bom... é o que dizem por aí...

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