quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Scorza, o invisível



Por sediar um Centro de Estudos Latinos Americanos, a Universidade de Liverpool possui uma excelente biblioteca voltada à literatura de nosso continente, inclusive a brasileira (desse Centro, participou um grande estudioso de Machado de Assis, John Gledson, mas isso é outra estória...). Não por menos, eu a frequentei regularmente nos quatro anos em que lá estudei. Foi lá que tive acesso a muitos clássicos da literatura brasileira, e que não tinha ainda lido (duro confessar isso, sei...). Grandes Sertões Veredas foi um que li na sala de meu pequeno apartamento na residência da universidade, enquanto esperava, olhando pelas amplas janelas, o mundo se acalmar (coisa rara em Liverpool).
            Lá, também, eu tive a oportunidade de conhecer o que se produziu em nossos países vizinhos, que a literatura lationamericana, em especial a do realismo fantástico, ainda estava em alta (o Cem anos de solidão é de 1967...). E foi lá que li pela primeira vez Scorza, o escritor peruano nascido em 1928 em Lima e morto em Madrid em 1983, ele que hoje está meio que esquecido, infelizmente. Devorei tudo o que a bilblioteca da universidade tinha dele, isto é, quase toda a sua produção literária.
            Sua obra mais impactante divide-se em cinco livros chamados por ele de “baladas”. Começa com Rodoble por Rancas em 1970, passa por História de Garabombo el invisible (1972), El Jinete Insomne (1977), Cantar de Agapito Robles (1977) até o último, La Tumba del Relámpago publicado em 1979. Escrito no melhor estilo do realismo fantástico, há quem considere esses livros muito datados por centrar-se nas lutas camponesas que tomaram conta do Perú nas décadas de 60.
            Talvez por isso, e também por conta da sombra e oposição do onipresente Vargas Llosa no Perú, a literatura de Scorza foi perdendo espaço por lá, principalmente depois da guinada para a direita imposta ao nosso continente. Por motivos que talvez não sejam afinal tão estranhos, o seu sucesso literário se deu muito mais na Espanha que no continente americano, e não só por conta dos sombrios anos que vivemos por essas bandas. Sucesso e reconhecimento são coisas, por vezes, inexplicáveis, assim como o são o insucesso e o esquecimento.
            De minha parte, de tudo o que li em espanhol naquela época de Inglaterra, as baladas de Scorza foram as que mais me marcaram. Deixando de lado até a, talvez polêmica, temática, muito me impressionou sua capacidade inventiva e o perfeito domínio técnico da narrativa escrita. Impressionou-me, como leitor e naquele meu particular momento em que buscava eu mesmo começar a escrever, muito mais que a escrita do agora Nobel Vargas Llosa, mas é claro que paro por aqui essa comparação, que não tenho a capacitação necessária para fazer uma isenta e acadêmica análise da produção deles. Nessas horas, preservamos a primeira impressão, por vezes muito mais interessante que a análise profunda posterior.
            Tempos depois, procurei comprar esses livros (no original, claro) e sempre tive dificuldades. Por isso, aproveitando minha visita a Lima em dezembro de 2014, fui atrás deles. Não tinha muito tempo disponível (pouco mais que uma tarde livre no congresso em que estava) e, nesse parco tempo, conhecer a cidade toda. E, por falta de tempo aqui também, deixo outras considerações de Lima para outro momento e foco em minha busca do Scorza, o invisível.
            Ao lado da praça central de Lima, por uma rua à direita de quem olha o Palácio do Governo, chega-se à Casa de la Literatura Peruana. Foi, inesperadamente, minha primeira parada nessa busca, que se mostrou ao final infrutífera. Ao entrar na Casa (aliás, uma ex-estação ferroviária), vi que no andar de baixo havia uma biblioteca e lá fui eu. Em meu portunhol corrente, entabulei uma conversa com o bibliotecário que, ao perceber que meu interesse era o Scorza (e não o Vargas Llosa, como deve ser a maior parte das vezes), mostrou-se animado em me contar muitos detalhes sobre ele, e muito do que falou ia de encontro ao que eu próprio achava, mas contou-me coisas que desconhecia como, por exemplo, que Scorza virou um editor no final da vida publicando muita coisa que hoje consideraríamos literatura independente. De sua militância como artista, de seu empenho como difusor da literatura.
            Perguntei-lhe sobre onde conseguir os livros do Scorza e ele me indicou duas livrarias, as principais da cidade, mas não foi muito otimista quanto a eu conseguir comprar. Disse-me que uma universidade tinha republicado, tempos atrás, o Redoble por Rancas, que havia a intenção de publicar todas as baladas, mas que achava que eles ainda não o haviam feito.
            Apesar do pessimismo, fui sim às duas livrarias que ele me indicou, e que nem eram muito longe de onde eu estava. Em uma delas, fui enviado a uma terceira mais, mas nem é preciso dizer (para quem prestou atenção ao título da crônica) que saí de mãos abanando delas todas. Por vezes, parecia que falava de um nome que poucos reconheciam.
            Apesar de meu pequeno tempo em Lima, gostei muito do clima da cidade (não do trânsito...), mas sai decepcionado de lá por conta de não ter conseguido comprar os livros que tanto queria na minha biblioteca.
            Um par de meses atrás, consegui, importando da Espanha, um exemplar do Redoble, mas foi o único. Ficarei nas saudades, por enquanto, do tempo de descanso de meus estudos matemáticos para ler Scorza frente às amplas janelas de meu apartamento em Liverpool...

Nenhum comentário:

Postar um comentário