quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

jeremias


jeremias era uma rima
uma rima era jeremias
jeremias era o seu nome...


Por vezes, meu sono é perturbado pelo ataque inesperado e impiedoso de palavras, frases, expressões e não me restam senão, após o acordar sobressaltado, duas alternativas: ceder e aproveitar literalmente o que me veio de forma tão inconsequente ou ignorar e voltar a dormir o sono interrompido.
Sonado que estou nessas horas, ainda tento fazer uma pequena análise qualitativa do que me atormentou tão repentinamente o descanso para saber se vale a pena terminar de acordar ou não, se o registro merece ser feito ou não, se a vida seguiria seu caminho inalterado caso decida pela continuidade do sono ou não. Sem chances, no entanto, para qualquer conclusão racional quanto a isso, a mente funcionando a meia boca nessas horas, concluo que terei que arriscar.
Hoje, a que veio o tal de jeremias me aporrentar o sono? Um poema épico já que mencionava rimas? Um conto regionalista, algo a ver com um sertão, talvez? Uma novela, se bem desenvolvida, uma peça de teatro experimental ou ideia germinal de um romanção best seller? A estrofe me acorda, martela-me a cabeça que ainda não se recuperou totalmente da garrafa de vinho argentino dividida no jantar... eu disse uma? Ora, quem se importa se o vinho era bom?
Por um desses mecanismos que nunca conseguirei entender totalmente, minha mente sempre me boicota ao insinuar que o que a pouco me acordou e que agora me ocupa impertinentemente a cabeça é de valor inestimável, a garantir-me que é sim aquela ideia genial que tanto buscava há tempos. Como ignorar esses sinais, então? Mesmo assim, ainda duvido do que deveria fazer, continuar dormindo ou não...
Mas qual o quê, a força da sugestão (ou necessidade) é mais forte e acabo me levantando para anotar esses inesperados pensamentos. A mente cheia da certeza de que se não o fizer naquele exato momento, minha memória irá me trair depois.
Aliás, nessas horas, a memória só servirá para me lembrar que se eu não levantar e anotar, tudo se perderá no meio da confusão de meus parcos neurônios. A memória só existirá para me assegurar que esquecerei com certeza o que me veio tão facilmente e que me arrependerei com certeza qualquer registro não feito...
Certo é que, de tanto ignorar esses alertas e esquecer totalmente depois a frase, a ideia inesperada, o tal conto que todos se lembrarão por anos, de tanto ignorar e ficar por dias me arrependendo disso, hoje eu me tornei mais disciplinado.
Mesmo com o vinho, mesmo só meio acordado, ou no meio de uma atividade, de uma conversa que seja, tento me concentrar em qualquer frase que invade sorrateiramente minha mente. Já faz tempo que trago sempre um papel comigo e trato de escrever o que me aporrinha sem piedade, hora que for, atividade que esteja fazendo. Se não consigo fazer isso imediatamente, seguirei repetindo e repetindo o pensamento para mim mesmo com a pretensão de não esquecê-lo, até conseguir registrar na forma que for.
Levanto-me hoje e anoto as ideias, tantas já as perdi.
Anoto direitinho como me veio: jeremias era uma rima e etc. e tal. E volto a dormir, missão cumprida, embalado pelo Malbec bebido. O sono dos justos
Não raramente, quando retomo, dias depois, ao que me assaltou de sopetão e foi anotado com a letra de sono, percebo que pouco faz sentido. O que era mesmo? Como encaixar tais palavras em algo razoável, ao menos aceitável? Certo é que, às vezes, a frase serve para um título de conto, o começo de um parágrafo, mas, na maioria das vezes, só serve para ir para aquela pasta que tenho na prateleira em meu escritório contendo as ideias e planos futuros, a esperar se encaixar em algo que faça sentido, mesmo que isso seja, em última instância, algo muito subjetivo...
E, ao final, jeremias era uma crônica. 

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