Imagina
que você viva em um lugar constantemente nublado, chuvinha fina colocando à
prova toda a sua paciência, bolor e mofo te aporrinhando por toda a parte.
Imagina que você está em uma época do ano em que os dias são curtos, pouca luz
natural. Agora, imagina que é segunda-feira, o dia maldito para nove entre dez
habitantes desse planeta. E imagina que já se passaram dias suficientes no novo
ano para você se convencer que as suas resoluções de primeiro de janeiro estão
longe de serem realizadas. Ou ao menos é isso que diz a balança, a preguiça
para ir à academia, o telefone mudo que não traz aquelas notícias profissionais
ou amorosas que tanto esperamos.
Não por
acaso, a terceira segunda-feira do ano foi decretada como sendo o dia mais
triste do ano por um tal de Dr. Cliff Arnall, que se autodenominou um psicólogo
da Universidade de Cardiff, apesar dessa universidade ter negado. Blue Monday, assim foi denominado esse
dia especial e, é claro, com o anglo centrismo tão peculiar a eles, o dia foi
tornado universal.
Mas acontece
é que esse tal de Dr. Arnall não se contentou em argumentos como esses acima
para decretar o Blue Monday. Em uma
necessidade de se “cientificar numericamente” tudo que nos cerca ele inventou
uma equação para se chegar a essa mesma conclusão.
A equação, que não copiarei
aqui para não deprimir quem quer que seja, foi inicialmente feita para se
analisar quais os dias mais propícios do ano para se viajar e leva em
consideração variáveis como o tempo de viagem, atrasos, tempo gasto em atividades
culturais, dormindo, simplesmente relaxando e tempo de preparação da viagem e
da mala. Uma verdadeira salada de frutas. Aparentemente, de acordo com essa
fórmula, se você gastar mais do que dez horas fazendo a sua mala, terá uma
excelente viagem (pensando bem, talvez isso até faça sentido...). Mas foi
utilizando-a que o Dr. Arnall chegou à conclusão de que o Blue Monday era um péssimo dia para se viajar.
Uma segunda versão da
fórmula proposta pelo Dr. Arnall, agora sem a vinculação a uma viagem, e apenas
para se calcular o dia mais triste de uma pessoa levava em conta as variáveis:
tempo, débitos, salários, dias desde o Natal, dias para se perceber que as
resoluções de ano novo iriam falhar, nível motivacional (seja lá o que isso
signifique...) e, por fim, nível de sentimentos de que algo precisa ser feito para
se conseguir alguma mudança (que ele consegue mensurar numericamente!). Uma ou
outra fórmula trará o mesmo resultado quanto ao tal pior dia.
A propósito, se você está
lendo este post é porque sobreviveu ao Blue
Monday desse ano, que foi dia 18 de janeiro. Em todo o caso, para nós,
brasileiros, isso faz muito menos sentido com esse solzão, em um período em que
muitos têm férias e por conta de nossas características culturais, apesar das
dívidas crescentes e das resoluções frustradas de ano novo...
Ah! Não por coincidência, o
dia mais feliz do ano de acordo com os estudos do Dr. Arnall cai em junho, bem próximo ao dia mais longo
do ano no hemisfério norte. Também pudera, poucos não gostam do sol reinando
até a meia noite, ainda mais em uma cidade como Cardiff e sua famosa baía.
E por falar nisso, a bela
cidade de Cardiff não merecia ser relacionada a algo tão farsesco quanto isso. A
capital do País de Gales tem um castelo muito interessante e construído em um
sítio que serviu como forte romano no primeiro século da era cristã. O que se
chama atualmente de castelo normando data de século XI e segue lá imponente no
alto de uma colina. Ao lado, um palácio vitoriano ampliado e renovado
constantemente durante o século XIX. O arquiteto, em seus arroubos artísticos,
foi construindo e decorando inúmeras salas, cada uma com sua particularidade
mas, em seu conjunto, uma verdadeira salada de frutas (como a equação do Dr.
Arnall). Já foi descrito como uma “fantasia oitocentista de palácio medieval de
conto de fadas” e isso já diz tudo.
O que chama também a atenção
são certos túneis subterrâneos que circundam o castelo e que, nos tempos
recentes, foram utilizados como refúgio aos bombardeios tão frequentes na segunda guerra
mundial. Ao se entrar neles, móveis e equipamentos dessa época estão expostos
nos corredores e, no melhor estilo onomatopeico atual, somos abatidos por sons
de bombas caindo e crianças gritando. Prá quem gosta desses efeitos, um prato
cheio.
De minha parte, a terceira
segunda-feira do ano foi muito boa, apesar da gripe que tem me atacado. Como
faz tempo que não acredito em resoluções de ano novo e as segundas-feiras
tampouco me atormentam, o saldo foi bem positivo.
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