quinta-feira, 30 de junho de 2016

doisdejulho-Palio de Siena


      Tão logo os organizadores do Palio de Siena souberam a data de aniversário do Thio Therezo, entraram em contato com ele e não sossegaram enquanto não conseguiram confirmar a sua presença na tradicional corrida de cavalos do dia dois de julho.
      Cabe ressaltar que os organizadores sempre quiseram homenagear o Thio Therezo por suas inúmeras contribuições ao povo local e pensavam em uma data para fazer um Palio excepcional (excepcionais como os realizados, por exemplo, em eventos como a descida da Apollo 11 na lua ou o centenário da unificação italiana ou mesmo a celebração do novo milênio). Por falta de acordo entre as confrarias que sustentavam a festa, porém, a homenagem foi sendo postergada e postergada até descobrirem a coincidência em torno do dois de julho. E aí tudo se resolveu como um milagre da Madonna de Provenzano.
      Essa história o Thio nos contou enquanto esperávamos pelos convidados para celebrarmos mais um de seus animados e inesquecíveis  aniversários. Naquela ocasião, ele se vestira com a imponente roupa que tinha usado no Palio como convidado especial. E que convidado! exclamavam os organizadores, orgulhosos pela honraria presenteada pelo nosso querido Thio ao concordar em participar da festa. Não é comum o aniversariante dar o presente, mas era assim que eles se sentiam, presenteados.
      Contou-nos Thio toda a dificuldade das negociações e, não, não era ele que levantava os empecilhos, tão contente e ansioso que estava em participar da corrida de cavalos ao redor da côncava praça. Explicou-nos que haviam dezessete confrarias, dezessete vejam bem! ele enfatizava. Mas apenas dez participavam da corrida em cada ano, as sete que não tinham participado no ano anterior e mais três escolhidas em um sorteio público.  O problema é que ao menos quatorze confrarias insistiam que ele, o próprio Thio Therezo, assumisse os seus cavalos.
      Não que as remanescentes três confrarias não quisessem isso, mas acontece que, por razões várias que não vêm ao caso, elas estavam passando por intensas crises políticas internas, o que as distanciavam temporariamente dessas discussões mundanas. Seria justo até mencionar aqui que, nos dias que precederam a corrida de cavalos, três voltas alucinantes pela praça côncava, o Thio intermediou com usual sucesso duas dessas querelas, resolvendo-as a contento. Mas aí, já tarde se fazia, essas confrarias não puderam mais pleitear a, mais do que justa, presença do Thio como cavaleiro defendendo suas cores. Em todo o caso, por mera ou estranha coincidência, nenhuma dessas três confrarias rebeldes foi escolhida no sorteio realizado nos finais de maio.
      Palio de Provenzano, assim era chamada a corrida de dois de julho para se diferenciar da Palio dell' Assunta que se realizava no dia 16 de agosto, essa sim mera coadjuvante da corrida principal no dia do aniversário de nosso querido e sempre presente Thio.
      O Thio já tinha nos contado, em outro episódico aniversário, a confusão em torno da data de celebração da Visitação no dia dois de julho e esse era um dos motivos primordiais para o Palio de Siena ser naquele dia, outro sendo as homenagens à Madonna de Provenzano que, dizem, tem um miraculoso poder de cura.
      Levou horas para que o Thio Therezo descrevesse todos os (quer dizer, apenas os mais importantes) detalhes da grandiosa festa. De como os cavalos da corrida eram escolhidos pelos Capitani (visando uma uniformidade) e sorteados três dias antes entre as confrarias (visando não privilegiar ninguém) e das seis corridas de treino antes da principal no dia dois ao final da tarde.
      E contou-nos também do Corteo Storico que precedia a festa, de sua exuberância, de seu desfile majestosamente medieval pelas ruas da cidade, de como os carabinieri montados em seus cavalos indumentados davam duas voltas pela praça, a segunda em disparada carreira para animar a audiência. Ao Thio, ele nos contou então, foi oferecido um lugar de honra nesse cortejo, o que, educadamente, ele recusou. Ao seu sofrido e vivido coração já lhe bastaria a emoção de conduzir um dos cavalos na corrida, qualquer coisa a mais seria exigir demasiado dele. Ao seus eternos detratores essa desculpa sempre pareceu arrogante, mas o Thio, nosso querido Thio, de arrogante nada tem e quem o conhece, atesta isso sem pestanejar.
      Mas o Thio não pode recusar ser o rincorsa, o cavaleiro que é o responsável por dar início à corrida e que, por isso, não se alinha com os outros nove cavalos na linha de partida, e sim inicia sua corrida da lateral da pista. Eu disse nove? O Thio disse nove? Quem disse nove?
      Aqui cabe uma pequena indiscrição do Thio na narrativa para nós. Por falta de acordo, naquela corrida foram permitidos quatorze cavalos no total e, por conta de um pacto de sangue, ninguém nunca comentou isso fora das estrebarias. O fato é que nenhuma das quatorze confrarias postulantes ao Thio abriu mão de participar naquela homenagem e assim ficou, uma única e solitária vez ao longo de sua centenária existência em que quatorze, não dez, quatorze cavalos se alinharam na praça côncava para correr. Ao público e aos turistas, a festa e que se danem as tradições! O fato é que, para todos os efeitos, estatísticos ou históricos, nada de anormal aconteceu naquela  edição da festa, foram dez cavalos a largarem, afirmarão todos, confirmarão todos, enfatizarão todos. 
      Mas que foram quatorze, isso foram, quem sabe contar, conferiu... 
      Três voltas na Piazza del Campo e o cavalo que cruzar a linha em primeiro lugar dá a vitória à sua confraria. O cavalo, montado ou não... 
      Nessa hora, o Thio parou a sua narrativa e fez suspense. Ora! Alguém, dentre os sete ou oito que acompanham assiduamente as aventuras do Thio, poderia sequer imaginar que não seria ele o vencedor?
      Pois não foi. Quer dizer, em parte... Quer dizer, deixa eu explicar melhor. 
      O Thio, como rincorsa da corrida, ele não se alinhava aos outros treze, quer dizer, nove... nove... e decidia quando largar, o que fazia com que os outros largassem em seguida. Baita vantagem do cavaleiro sortudo, vantagem essa que o Thio soube bem aproveitar e o seu cavalo disparou na frente. E disparou tanto que, logo na primeira curva, oposta à grande torre (quem teve o prazer de visitar Siena, lembra bem dela...), pois foi bem lá que  cinematrograficamente desabou o Thio ao chão coberto especialmente para a corrida.
      Se a humanidade ouviu, em qualquer época, o som do silêncio, foi naquele momento de preocupação com o homenageado. E só deixou de ouvir no exato momento em que o Thio se levantou, limpou a poeira de seus trajes medievais e acenou ao público. Só então ele procurou por seu cavalo, queria remontá-lo e seguir a corrida. Mas qual-o-quê, lá se ia o cavalo que, aliviado do peso e talvez sabedor de sua importância histórica naquela festa, correu como nunca, e nunca desistiu de sua missão que era glorificar o Thio e a confraria, correu como nunca e venceu a corrida.
      Nunca se comentou, quem seria o espírito de porco para tal?, mas acontece que o Thio estava, digamos assim, um pouco acima do peso naqueles tempos, o que teria ajudado o pobre coitado do animal a se sentir mais leve. Maldizeres e implicâncias de opositores do Thio que insinuam que só por isso o cavalo conseguiu não chegar em último...
      O silêncio sempre perdura entre nós logo depois que o Thio chega ao final de suas narrativas. Um misto de admiração e inveja. Mas, da inveja boa, daquelas de familiares, que essas são naturalmente perdoáveis... 

4 comentários:

  1. Muito gostosa a narrativa. Quando iremos conhecer pessoalmente o Thio?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O Thio é muito arredio... mas vou conversar com ele a respeito.

      Excluir
  2. Feliz Aniversário, Thio F.U.C. Therezo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, rsrsrs!!!
      Feliz aniversário prá você também!!!

      Excluir