É esse o nome do livro que o
Thio Therezo escreveu sobre os pigarreios, “Os pigarreios colossais de meus
doutos ancestrais”. A partir de uma estória sobre os seus ancestrais e suas
manias quanto aos pigarreios o Thio desenvolveu toda a sua teoria sobre essa
figura de linguagem, estudo que o tornou famoso frente aos mais exigentes
círculos intelectuais. Publicado inicialmente por uma pequena e desconhecida
editora local, esse estudo ganhou o mundo a partir de uma brilhante tradução ao
esloveno e, hoje, pode-se contabilizar traduções em mais de 150 línguas (entre
vivas, mortas ou moribundas).
Não que eu o tenha lido, mas
impressionava-me muito ver aquela prateleira cheia das mais estranhas edições
desse estudo, eu era criança quando as vi pela primeira vez e isso impressiona
facilmente, há de convir.
O Thio insiste que a palavra
pigarreio, como substantivo, nunca fora contabilizada antes de seu estudo. Há,
sim, o verbo pigarrear (ou mesmo pigarrar), há sim o resultante sonoro do ato de pigarrear, que é o pigarro, há até o seu subproduto físico, que é o catarro, há sim a expressão “eu pigarreio”, mas não havia, até ele
conceituar isso com precisão, o simples pigarreio.
De qualquer forma, tive
contato com palavra e conceito quando decidi escrever um conto que depois virou
um romance com esse nome. Confesso que só fui ao dicionário após uma primeira versão
do texto estar completa e só me convenci depois dele pronto que o que queria
dizer em meu romance já estava literariamente conceituado, no estudo do Thio,
como pigarreios.
O Thio, ao saber o nome do
meu primeiro romance, deu-me uma aula sobre essa figura narrativa. Um pigarreio
é uma pausa narrativa, mas com características próprias que, por vezes, são
conflitantes. Há uma pequena sutileza aqui, o Thio tentava me explicar. Um
pigarro é algo sonoro fruto de uma secura na garganta, um incômodo que impede a
continuidade de uma narrativa. Já um pigarreio, que pode ou não ser acompanhado
de um pigarro (ou mesmo de um catarro, que é expressão física de um pigarro), é nada mais que uma pausa narrativa onde o narrador se permite
um tempo para análise de como continuar o que deve ser narrado, um tempo para a
necessária reflexão.
Sem entrar em considerações,
de qualquer índole, a respeito da supremacia do narrador sobre o fato a ser
narrado, o Thio, assumindo isso como verdade universal, analisa em seu estudo,
até do ponto de vista histórico, como esse processo se dá e aparece, mesmo em
situações corriqueiras, como é bem uma simples conversa de botequim.
Um pigarreio pode servir
como mudança de rumo da narrativa após o narrador se convencer dos perigos que
o rumo inicial poderia proporcionar dados os ouvintes presentes. Pode servir
apenas para despistar, recuar, recusar, retroagir narrativas, pode servir para
enfatizar a grandeza do narrador ou debochar dos narrados, ou mesmo dos ouvintes,
pode servir para ironizar situações, esconder fatos, revelá-los parcial ou
totalmente. O narrador é soberano, esse é o ponto de partida. Não que esse
tenha perfeito controle sobre a estória a ser contada e muito menos como ela
será ouvida e entendida pelos outros, aí já são sutilezas que serão impossíveis
de serem analisadas por aqui.
Nesses aspectos, o
pigarreio, para o narrador de uma estória, é um ato de poder, de domínio. É o
que resta ao narrador nesse mundo em que todos são donos da verdade. Seu último
baluarte, assim mesmo Thio Therezo enfatizou.
Por fim, em seu estudo, o
Thio classificou 83 tipos de pigarreios primários além de outros 127
secundários, alguns deles de tais sutilezas que só um verdadeiro literato há de
conseguir distinguir. Como o Thio costuma dizer: “só quem leu muitas linhas há
de conseguir ler as entrelinhas...”
Contou-me também a origem
dessa figura narrativa, que remonta aos tempos de narrativas verbais, aos
tempos em que a escrita ainda não estava totalmente sedimentada como forma de
expressão. Daí, o Thio conjectura, a implicância dos filólogos em incluir a
palavra nos dicionários. Se é uma figura de linguagem verbal, que lá permaneça,
o Thio menciona já ter ouvido tal argumento.
O Thio, então, pediu-me para
ler os meus Pigarreios. Confesso que não gosto de emprestar meus escritos
inacabados para outros lerem, mas um pedido do Thio... não consigo recusar.
Sei que ele o leu de uma
sentada, naquela mesma noite, nem é tão grande assim o texto, mas demorou dias
para vir conversar comigo a respeito. Dias que sofri por não saber o que ele
achou do texto, daquele meu primeiro romance. Ao final, ele retornou-me o
manuscrito, piscou seu olho, excelente sinal, e apenas disse, para o meu exultante
contentamento:
“É, garoto! O título está
muito apropriado... você pegou bem o espírito da coisa...”
Lançamento de Livro. O meu novo livro, "Pigarreios", será lançado em Portugal no dia 11 de janeiro, na Chiado Café Literário, Av. da Liberdade, 180 D, em Lisboa. Em março, lançamento em São Paulo. Todos estão convidados!!!
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