quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Se for a, um abraço.


             Meu pai era juiz e minha mãe uma importante pesquisadora de uma importante faculdade. Sem dúvidas do porquê que eu saí de casa tão cedo, cansei de conviver com semideuses...
            Talvez a frase acima seja um tanto quanto exagerada. Meu pai morreu quando eu nem tinha três anos e minha mãe, essa sempre foi muito ausente mesmo. Tanto que, pouco menos de um ano após a morte de meu pai, ela foi refazer sua vida em outro estado, deixando-me com meus avós paternos. Por um tempo ela ainda me ligou semana sim semana não para dizer que me amava (cada vez menos convincentemente) e que viria me buscar tão logo as coisas se ajeitassem (isso ela insistiu até eu ficar por demais descrente).
            Aparentemente, essas tais coisas que minha mãe falava ao telefone nunca se ajeitaram, pois nem três anos se passaram antes que o contato entre nós se perdesse por completo, nunca mais tive notícias dela, o que na realidade não me trouxe trauma algum, confesso aqui entre nós. Depois soube que seu novo marido não me suportava. Não que isso fosse uma novidade em minha vida, apenas menciono para constar.
Hoje sei que o que melhor herdei dela foi a sua ausência. De meu pai, nem aquela impressionante coleção de livros herdei, que sua parte principal serviu para pagar o luxuoso enterro do semideus, mausoléu com citações gregas incluído. Sobraram livros que os parentes próximos davam pouca importância mas que a mim valeram muitas horas bem vividas, extensas noites viajando por mundos outros.
            Depois que meus avós morreram, eu já era grandinho à época, decidi que não valia mais a pena ter família por perto. Sinto falta dos dois, é claro, sempre me foram leais e carinhosos. Meu avô morreu de saudades dois meses depois que minha avó e o que era família para mim foi enterrado junto com eles.
            Escolhas.
Escolhas, a gente faz o tempo todo, o importante é não se arrepender delas, custe o que custar. No máximo, arrepender-se e esconder isso de todos à volta, que a dor que se sente, essa é pessoal, sempre foi.
            Em todo o caso, nunca saí realmente do apartamento que foi de meus pais e depois de meus avós, os paternos, e que, agora, é grande demais para a minha solidão. Continuo por aqui, posso até dizer que já me adaptei, depois de quase quarenta anos zanzando por seus cômodos...
            Juntando tudo, o primeiro parágrafo lá em cima é uma completa asneira. Mas que me fez um bem escrevê-lo, isso fez.
            E a vida, toca-se do jeito que der.
            Ainda sorria sozinho no elevador quando ela entrou. Eu vinha das profundezas do estacionamento desse velho prédio e ela entrou no andar térreo. Apertou o andar acima ao meu e baixou a cabeça pensativa. Nunca a tinha visto por lá, e olha que sou morador antigo como já deve ter ficado claro.
            E aí? Aí que uma providencial falta de energia nos forçou a ficarmos meia hora presos naquele elevador e, da inevitável conversa inicial nessas horas, seguiu-se uma troca de olhares. Ela tinha bebido um pouco, eu também mas menos que ela. Sua boca então me contou que iria visitar um amigo no andar acima ao meu, mas foi seu olhar triste que me confidenciou o que realmente se tratava. Mesmo assim, fingi acreditar no que ela dizia, o tal amigo do andar de cima era um senhor intragável que aborrecia a todos os outros vizinhos com suas manias. Impossível que tivesse uma amiga como ela, com tal sorriso, com tal gentileza, pensei, mas não disse.
            O tempo passa, a luz volta quando já estávamos pertos demais, quando uma aparente intimidade já se criava na confusão de nossas mentes embriagadas e esperançosas. A luz volta e voltamos às nossas vidas, o elevador sobe e quando chega ao meu andar, um tchau, nos vemos, com certeza nos vemos por aí e por fim ela pede:
            “Me dá um abraço?”
            Como resistir? Dei, apertado abraço, senti seu calor e sua tristeza e sua mão deixando um cartão na minha, um nome e um telefone, apenas isso, como se isso fosse pouco.

            Demorei a dormir aquela noite, olhando o teto de meu apartamento, imaginando cenas, procurando por gemidos, sonhando possibilidades, almejando satisfações...

Nenhum comentário:

Postar um comentário