Meu pai era juiz e minha mãe uma importante pesquisadora de uma importante faculdade. Sem dúvidas do porquê que eu saí de casa tão cedo, cansei de conviver com semideuses...
Talvez a frase acima seja um tanto quanto exagerada. Meu
pai morreu quando eu nem tinha três anos e minha mãe, essa sempre foi muito
ausente mesmo. Tanto que, pouco menos de um ano após a morte de meu pai, ela
foi refazer sua vida em outro estado, deixando-me com meus avós paternos. Por
um tempo ela ainda me ligou semana sim semana não para dizer que me amava (cada
vez menos convincentemente) e que viria me buscar tão logo as coisas se
ajeitassem (isso ela insistiu até eu ficar por demais descrente).
Aparentemente, essas tais coisas que minha mãe falava ao
telefone nunca se ajeitaram, pois nem três anos se passaram antes que o contato
entre nós se perdesse por completo, nunca mais tive notícias dela, o que na
realidade não me trouxe trauma algum, confesso aqui entre nós. Depois soube que
seu novo marido não me suportava. Não que isso fosse uma novidade em minha
vida, apenas menciono para constar.
Hoje sei que o que melhor
herdei dela foi a sua ausência. De meu pai, nem aquela impressionante coleção
de livros herdei, que sua parte principal serviu para pagar o luxuoso enterro
do semideus, mausoléu com citações gregas incluído. Sobraram livros que os
parentes próximos davam pouca importância mas que a mim valeram muitas horas
bem vividas, extensas noites viajando por mundos outros.
Depois que meus avós morreram, eu já era grandinho à
época, decidi que não valia mais a pena ter família por perto. Sinto falta dos
dois, é claro, sempre me foram leais e carinhosos. Meu avô morreu de saudades
dois meses depois que minha avó e o que era família para mim foi enterrado
junto com eles.
Escolhas.
Escolhas, a gente faz o
tempo todo, o importante é não se arrepender delas, custe o que custar. No
máximo, arrepender-se e esconder isso de todos à volta, que a dor que se sente,
essa é pessoal, sempre foi.
Em todo o caso, nunca saí realmente do apartamento que
foi de meus pais e depois de meus avós, os paternos, e que, agora, é grande
demais para a minha solidão. Continuo por aqui, posso até dizer que já me
adaptei, depois de quase quarenta anos zanzando por seus cômodos...
Juntando tudo, o primeiro parágrafo lá em cima é uma
completa asneira. Mas que me fez um bem escrevê-lo, isso fez.
E a vida, toca-se do jeito que der.
Ainda sorria sozinho no elevador quando ela entrou. Eu
vinha das profundezas do estacionamento desse velho prédio e ela entrou no
andar térreo. Apertou o andar acima ao meu e baixou a cabeça pensativa. Nunca a
tinha visto por lá, e olha que sou morador antigo como já deve ter ficado claro.
E aí? Aí que uma providencial falta de energia nos forçou
a ficarmos meia hora presos naquele elevador e, da inevitável conversa inicial
nessas horas, seguiu-se uma troca de olhares. Ela tinha bebido um pouco, eu
também mas menos que ela. Sua boca então me contou que iria visitar um amigo no
andar acima ao meu, mas foi seu olhar triste que me confidenciou o que
realmente se tratava. Mesmo assim, fingi acreditar no que ela dizia, o tal
amigo do andar de cima era um senhor intragável que aborrecia a todos os outros
vizinhos com suas manias. Impossível que tivesse uma amiga como ela, com tal
sorriso, com tal gentileza, pensei, mas não disse.
O tempo passa, a luz volta quando já estávamos pertos
demais, quando uma aparente intimidade já se criava na confusão de nossas
mentes embriagadas e esperançosas. A luz volta e voltamos às nossas vidas, o
elevador sobe e quando chega ao meu andar, um tchau, nos vemos, com certeza nos
vemos por aí e por fim ela pede:
“Me dá um abraço?”
Como resistir? Dei, apertado abraço, senti seu calor e
sua tristeza e sua mão deixando um cartão na minha, um nome e um telefone,
apenas isso, como se isso fosse pouco.
Demorei a dormir aquela noite, olhando o teto de meu
apartamento, imaginando cenas, procurando por gemidos, sonhando possibilidades,
almejando satisfações...
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