“Me dá um beijo?” pedi.
“Beijo,
não... você não sabe que putas não beijam?”
“Mas
você disse que faria tudo...” arrisquei o velho truque.
“Tudo
menos isso...” ela sorriu o riso de quem não se deixa enganar tão facilmente.
Ela
agora estava lá, ao meu lado, já tínhamos transado, de forma especial,
especialmente que dispensamos, como bem convém, as trocas de confidências tão
comuns entre amantes. Só trocamos frivobanalidades, fluídos e gemidos. Já tudo
e tudo o mais e logo ela se levantaria, inevitável, começaria a se vestir e
isso seria o sinal, esse mais inevitável ainda, que me levaria à carteira,
dinheiro vivo, sempre dinheiro vivo que essa é a regra comigo. Já basta pagar, basta
isso, pagar com cartão seria por demais deprimente, esperar o sinal da
internet, a senha que não entra, o olhar desviado para se manter as aparências,
o sorriso amarelo, a autorização do banco. Constrangedor... muito...
Logo
ela se levantaria e a vida seguiria, parecia inevitável, mas ela não o fez tão
rápido quanto era usual. Ofereci então uma nova taça de vinho, eu precisava e
que mal há em oferecer uma a ela? Ela aceitou, e depois repetimos outra e outra
mais, vinho Tannat que é o apropriado para essas horas.
O
silêncio prevalecia nesse nosso jogo, mas parecia a nós dois que gostaríamos
muito de desembestar a falar, fingir intimidade, trocar confidências, ou foi só
uma impressão minha? Teria sido bom se isso estivesse incluído no preço. Quanto
teria de acréscimo agora uma conversa sincera, descontraída, descompromissada mas
amorosa? Ou será que isso já estava incluído no “eu faço tudo o que você
quiser” que ela respondeu ao telefone quando liguei? Ela não se lembrou do
abraço recebido dias atrás, apenas do endereço, disse que já tinha vindo outras
vezes ao prédio e eu me resignei ao meu papel de cliente impessoal e novato.
Mas
tudo não incluía uma conversa, ao menos não para um cliente de primeira vez.
Talvez com o cartão fidelidade, algo depois mudasse. Tantas milhas, um sorriso
sincero, mais tantas outras, ouvir uma confidência e assim iria.
Tanto
faz, toca-se a vida do jeito que der.
Há
mais de dez anos que eu só procuro sexo pago. Desde que aquela ex me humilhou
publicamente, só se for pago; desde que ela me esnobou na frente de suas
amigas, só a dinheiro vivo; desde que as mentiras se espalharam por sua boca
pelos corredores do trabalho, só nota sobre nota. Nunca barganho, nunca discuto
preços, nunca peço descontos, que isso inevitavelmente trará cobranças
indevidas. É tanto? Tanto é! Aqui está, tanto!
O
vinho, aquela noite, me fez abraçá-la na cama no pós-coito, ela ronronou e se
ajeitou sensualmente em meus braços.
“Me
dá um beijo?”
“Beijo,
não...”
Tampouco
conversa.
E ela não se
levantava, cabeça sobre o meu peito.
Lembrei-me,
vinho fazendo seus efeitos, de uma exceção, cinco anos atrás? Orra, tudo isso
já? Talvez menos... não, já cinco anos... não importa. Saímos uma amiga e eu e
a noite nos trouxe tudo o que um par saudável e descompromissado da vida
poderia querer. Quando eu acordei, dia seguinte, ela já tinha ido embora, um
bom sinal esse! Deixara um bilhete dizendo que “foi muito bom, adorei, a gente
se vê!” Quer melhor sinal que esse?
Mas aí ela
realmente me ligou... discutimos, perdi a amizade e voltei à rotina de pagar
pelo sexo.
Acordei e ela
ainda estava lá. Pediu-me desculpas, desconcertada, disse que fora inapropriado
dormir lá, que não podia fazer isso... Não tinha sido, disse a ela que fingiu
acreditar. Não quis tomar café comigo, estava sim constrangida.
Paguei e ela
sorriu como se pedisse desculpas de novo, resmungou quase de forma inaudível
que precisava do dinheiro e eu a deixei confortável, era o que tínhamos
combinado. É tanto, tanto é! Sorri.
Sorri e a acompanhei
até o elevador, que ela já conhecia, e disse-lhe que voltaria a ligar qualquer
dia. Sorriu, pareceu lembrar-se de algo. Voltou-se, me deu um abraço como o do
outro dia.
E beijou-me,
beijou-me na bochecha. Como uma irmã...
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