quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Se for b, um beijo.

            “Me dá um beijo?” pedi.
            “Beijo, não... você não sabe que putas não beijam?”
            “Mas você disse que faria tudo...” arrisquei o velho truque.
            “Tudo menos isso...” ela sorriu o riso de quem não se deixa enganar tão facilmente.
            Ela agora estava lá, ao meu lado, já tínhamos transado, de forma especial, especialmente que dispensamos, como bem convém, as trocas de confidências tão comuns entre amantes. Só trocamos frivobanalidades, fluídos e gemidos. Já tudo e tudo o mais e logo ela se levantaria, inevitável, começaria a se vestir e isso seria o sinal, esse mais inevitável ainda, que me levaria à carteira, dinheiro vivo, sempre dinheiro vivo que essa é a regra comigo. Já basta pagar, basta isso, pagar com cartão seria por demais deprimente, esperar o sinal da internet, a senha que não entra, o olhar desviado para se manter as aparências, o sorriso amarelo, a autorização do banco. Constrangedor... muito...
            Logo ela se levantaria e a vida seguiria, parecia inevitável, mas ela não o fez tão rápido quanto era usual. Ofereci então uma nova taça de vinho, eu precisava e que mal há em oferecer uma a ela? Ela aceitou, e depois repetimos outra e outra mais, vinho Tannat que é o apropriado para essas horas.
            O silêncio prevalecia nesse nosso jogo, mas parecia a nós dois que gostaríamos muito de desembestar a falar, fingir intimidade, trocar confidências, ou foi só uma impressão minha? Teria sido bom se isso estivesse incluído no preço. Quanto teria de acréscimo agora uma conversa sincera, descontraída, descompromissada mas amorosa? Ou será que isso já estava incluído no “eu faço tudo o que você quiser” que ela respondeu ao telefone quando liguei? Ela não se lembrou do abraço recebido dias atrás, apenas do endereço, disse que já tinha vindo outras vezes ao prédio e eu me resignei ao meu papel de cliente impessoal e novato.
            Mas tudo não incluía uma conversa, ao menos não para um cliente de primeira vez. Talvez com o cartão fidelidade, algo depois mudasse. Tantas milhas, um sorriso sincero, mais tantas outras, ouvir uma confidência e assim iria.
            Tanto faz, toca-se a vida do jeito que der.
            Há mais de dez anos que eu só procuro sexo pago. Desde que aquela ex me humilhou publicamente, só se for pago; desde que ela me esnobou na frente de suas amigas, só a dinheiro vivo; desde que as mentiras se espalharam por sua boca pelos corredores do trabalho, só nota sobre nota. Nunca barganho, nunca discuto preços, nunca peço descontos, que isso inevitavelmente trará cobranças indevidas. É tanto? Tanto é! Aqui está, tanto!
            O vinho, aquela noite, me fez abraçá-la na cama no pós-coito, ela ronronou e se ajeitou sensualmente em meus braços.
            “Me dá um beijo?”
            “Beijo, não...”
            Tampouco conversa.
E ela não se levantava, cabeça sobre o meu peito.
Lembrei-me, vinho fazendo seus efeitos, de uma exceção, cinco anos atrás? Orra, tudo isso já? Talvez menos... não, já cinco anos... não importa. Saímos uma amiga e eu e a noite nos trouxe tudo o que um par saudável e descompromissado da vida poderia querer. Quando eu acordei, dia seguinte, ela já tinha ido embora, um bom sinal esse! Deixara um bilhete dizendo que “foi muito bom, adorei, a gente se vê!” Quer melhor sinal que esse?
Mas aí ela realmente me ligou... discutimos, perdi a amizade e voltei à rotina de pagar pelo sexo.
Acordei e ela ainda estava lá. Pediu-me desculpas, desconcertada, disse que fora inapropriado dormir lá, que não podia fazer isso... Não tinha sido, disse a ela que fingiu acreditar. Não quis tomar café comigo, estava sim constrangida.
Paguei e ela sorriu como se pedisse desculpas de novo, resmungou quase de forma inaudível que precisava do dinheiro e eu a deixei confortável, era o que tínhamos combinado. É tanto, tanto é! Sorri.
Sorri e a acompanhei até o elevador, que ela já conhecia, e disse-lhe que voltaria a ligar qualquer dia. Sorriu, pareceu lembrar-se de algo. Voltou-se, me deu um abraço como o do outro dia.
E beijou-me, beijou-me na bochecha. Como uma irmã...

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