Pois eu retribuo essa facilidade recebida do destino comprando livros, principalmente de autores desconhecidos. É minha contribuição social, digamos assim. O fato é que o meu cotidiano se enche de visitas a livrarias e sebos, intercalados por agradáveis horas de leituras.
Mas obviamente não só disso vive alguém, prazeroso que seja.
Pois estava eu em um sebo aqui pertinho de casa quando ela entrou. Um olhar cruza o outro e logo nos reconhecemos.
- Prima!
- Primo!
Os primos voltavam a se encontrar depois de imenso tempo. Muito a se falar, a lembrar, a colocar em dia os tantos e tantos anos que nos distanciaram, ela era a minha namoradinha da infância, essas coisas que os adultos inventam e as crianças aceitam sorridentes mas cheias de vergonha. E era assim mesmo, no diminutivo, que pequenos éramos naqueles tempos, antes das tais contingências da vida nos separarem por longos anos. E assim continuaríamos, não fosse um sebo nos reaproximar.
É claro que, a princípio, todo reencontro é estranho mas, se houver tempo e boa vontade, essa fase se supera e chega-se à de lembranças boas e, por que não, à possibilidade de se criar novas que algum dia serão lembradas como boas e assim segue.
Assim segue a vida e assim sempre seguirá... a eterna busca por lembranças a serem consideradas boas em algum futuro ainda impreciso.
Mas acontece que nos demos o tempo necessário para a estranheza desaparecer e sim, tivemos muita boa vontade. E começou uma fase em que nos víamos frequentemente, em que nos reaproximamos de fato e talvez pudéssemos até parecer um casal de namoradinhos de novo não fosse um detalhe. Se naquela primeira fase de namorico era bem natural, crianças que éramos, que não se trocasse um beijo que fosse, que não nos amássemos loucamente depois do vinho, tudo se torna um pouco estranho quando somos dois a nos aproximarmos dos trinta, ela um aninho mais velha, e estando os dois descompromissados e saudáveis, os dois com olhares carinhosos e carentes.
Mas, a cada vez que eu me aproximava um pouco mais para um beijo, ela virava o rosto. Não me repreendia, mas recusava. Não fazia cena, parecia até que nada acontecia, mas só recusava gentilmente. Nada há a fazer com a recusa, aceita-se e segue-se a vida. E seguimos nos vendo, ela cada vez mais contando seus segredos amorosos, seus casos com parceiros eventuais, o que, confesso, muito me incomodava. Tão próxima para esses segredos, por que não para um beijo carinhoso, por que não para intimidades?
Um dia, fui muito direto.
- Será que posso ter esperança?
Ela sorriu, aquele sorriso que me lembrava dos tempos em que, crianças, brincávamos no sítio de nossos avós, escondidos. E ela sorria das coisas que me falava e eu, mais criança que ela, muito mais do que aquele mero ano de diferença poderia indicar, e eu, mais ingênuo, sempre fui, e eu, mais inseguro, sempre o serei perto dela, e eu sorria de volta sem perceber a malícia toda que restava naquele seu sorriso de criança safada.
Ela sorriu exatamente esse sorriso.
- Será que posso ter esperança?
Não me respondeu nada, só o sorriso e aquele olhar que o acompanhava, tão característico dela, distante e incômodo ao mesmo tempo.
No dia seguinte, ela me trouxe essa tartaruga que agora nos faz companhia, a mim e ao gato que sabe cafunezar, essa tartaruga de passos irritantemente lentos e que batizamos, entre risos amarelos e sinais inequívocos de despedida, de esperança.
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